terça-feira, 23 de dezembro de 2008

RICARDO CUNHA CANTOR E COMPOSITOR


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quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

O Gato Preto


Quando nasceu era branco, porém danado como qualquer outro gato, o bichano fez suas acrobacias e caiu num balde de tinta preta. Ficou a partir dai um gato preto, como outro qualquer.

Uma menina o apanhou e o levou para si, todos a criticavam como podia ter um gato preto, que trazia azar, era coisa de macumba.

A menina não se importava e até temia pela vida do gato. O bicho continuava danado, batia no cachorro, caçava, enfrentava normes ratazanas, porém ainda não vencia o preconceito.

Uma senhora protestante rigorosa, queria livrar o bairro daquele gato preto, pois dizia ser bicho do diabo, e havia quem o queria por sê-lo do diabo e fazer rituais de magia negra, sacrificando o pobre coitado, alguns religiosos mais prudentes apenas aumentaram suas rezas e ladainhas.

A menina vítima de tanta pressão, decidiu levar o gato para algum lugar seguro, o colocou num cesto e o levou para longe dali.

O gato brincalhão bem despreocupado pulou do cesto e continuou seu passeio sozinho assustando por onde passava, quando avistou um pássaro pulou para pegá-lo e de novo com suas peripécias caiu numa lata de thinner, removendo sua tinta, era novamente um gato branco, lindo como queriam não demorou muito para alguém apanhá-lo, foi levado, tomou banho e voltou a ser tratado, dessa vez como um gato de grã-fino, todos o amavam, e lhe faziam carinhos, porém o gato ficava na janela sempre a procurar algum novo desafio foi quando avistou uma enorme gata negra toda peluda, olhando para ele, pulou rapidamente da janela e se aproximou da gata que o recoheceu e o lambeu era sua mãe.

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Ricardo Cunha na TV

GUMERCINDO: MANDINGA, PÉ-DE-PATO & QUIPROQUÓS - CAPÍTULO XIII


O dono do barraco feliz, chamou a mulher e os filhos, separou os quinhentos reais, valor do barraco e devolveu a Gumercindo o restante da soma que ajudou a contar.
Ainda segurava o dinheiro nas mãos quando ao entregar, Gumercindo o interrompeu:
- Leve todo o dinheiro.
- O que tu disse?
- Leve todo o dinheiro, compra rôpa e comida pros seus filhos.
O dono do barraco ficou calado, então emocionado arrastou a mulher para o canto, mostrou o dinheiro, guardou no bolso da calça, apanhou seus poucos pertences e rapidamente se retirou do barraco sem agradecer a generosidade de Gumercindo, que ficou observando a ida do homem, o fogo ainda aquecia a panela improvisada, o apagou e sentou-se numa cadeira velha enquanto sentia-se feliz por Ter conseguido um lugar para morar.
Colocou o carrinho dentro do barraco e tirou um cochilo numa cama velha que o antigo dono deixou.
Após o cochilo fechou o barraco com um velho cadeado e uma corrente enferrujada e levou a pouca sucata que tinha no carrinho de geladeira para a cooperativa.
Ao vender a pouca sucata que tinha, Gumercindo notou que o sujeito da balança também adquiriu um carro. Novo, bonito como não era comum aos seus olhos.
- Que carro bonito. – Comentou com o sujeito da balança, enquanto pesava a sucata de Gumercindo.
O sujeito fitou o carro, voltou sua atenção para a balança, observou Gumercindo e comentou:
- Comprei ontem.
- Comprou. – admirou-se.
- Comprei ué, por que a admiração? Trabalho pra quê. – aborreceu se o sujeito da balança.
- É que me parece ser um carro tão caro.
- Mais ou menos, comprei pra passear nos fins de semana.
- Eu também, comprei uma coisa ontem.
- Comprou? – admirou-se com o sujeito da balança, erguendo as sobrancelhas.
- Sim, um barraco pra mim morá.
- Um barraco? Onde arrumou dinheiro?
Gumercindo estranhou a pergunta do sujeito da balança e sem entender a reação deste, respondeu levemente aborrecido.
- Ora, eu não tô trabalhando não.
O sujeito da balança abaixou suas sobrancelhas ficou envergonhado com sua pergunta, disfarçou uma ponta de inveja e continuou o assunto:
- É claro, é que pensei que cê torrava tudo que ganhava com cachaça.
- Eu não bebo cachaça.
- É você já me disse.- sussurrou o sujeito da balança, encerrando a conversa, logo terminou a pesagem da sucata que Gumercindo lhe trouxe, acertou os trocados do valor e voltou a atenção para seu carro novo, enquanto Gumercindo saiu para uma nova coleta.
No caminho passou em um bar, onde comeu um salgado e um pingado, mandou caprichar no café com leite e tomou dois copos americanos cheios não queria parar cedo para o almoço, então decidiu se alimentar bem logo de manhã.
Após a refeição seguiu para o lixão, os urubus, fiel companhia daquele local se demonstravam numa pequena nuvem escura a alguns metros acima do lixão. Gumercindo os observou os admirou e continuava a empurrar seu carrinho de geladeira até chegar ao lixão.
Quando chegou, se tornou a atração do local, sendo apontado pelos outros catadores que cochichavam passar por eles.
Tamanhos cochichos, chamaram a atenção de Gumercindo que irritado os observava aborrecido, até que um dos catadores se aproximou:
- Ei Gumercindo, comprou um barraco hein danado?
Gumercindo estranhou a intimidade do sujeito com quem nunca havia conversado e com um aceno e sem graça fez que sim, o catador continuou a indagar-lhe:
- Ei Gumercindo, anda encontrando coisa de valor aí?
- As vezes, encontro.
O catador fez um bico com os lábios, assobiou abaixou a cabeça e voltou a conversar quando Gumercindo começava a vasculhar o lixo à procura de sucatas.
- Eu também moro na favela e já que a gente vamos ser vizinhos, agente podia nos conhecê melhor, que cê acha?
Gumercindo parou de vasculhar o lixo e se emocionou com a sugestão de outro catador, então voltou sua atenção num movimento leve, e com algumas lágrimas nos olhos respondeu com meio sorriso.
- Claro... podemos ser amigos.
O catador sorriu e olhou para os outros catadores que disfarçando os observava, com uma cara de cínico observou Gumercindo que lhe deu a mão.
Naquele dia Gumercindo arrecadou bastante sucata, mas apenas plásticos e papelão, pouca coisa de valor, com seus trocados garantiu o almoço e tomava banho no chuveiro improvisado de seu barraco, não sentiu saudades da ponte, mas sonhara com ela à noite e sentia falta do zum-zum dos carros na madrugada.
Nos dias seguintes começou a ajeitar seu barraco, arranjou panelas e mesa, além de roupas, não andava tão sujo e fedido, tomava banho dia sim, dia não era arredio a água, gostava, mas não o suficiente para banhos diários.
No lixão todos os catadores já o conheciam e lhe davam atenção, porém aproveitando da amizade iniciada começaram a lhe pedir dinheiro emprestado.
O primeiro a fazê-lo foi o catador que se apresentou com cara de cínico. Chegou até Gumercindo disfarçando, colocou a mão no carrinho de geladeira enquanto ele observava vasculhando o lixo e começou a conversa mole:
- Ei Gumercindo...
- Oi!- respondeu Gumercindo feliz abrindo um sorriso enorme e tocando o ombro do catador cara de cínico com sua mão direita.
- Sabe que é... Tá faltando comida em casa...não tô arrecadando quase nada...
- Sei ...- Gumercindo atento a conversa e sério arregalou os olhos enquanto ouvia e se emocionava com o que catador cara de cínico dizia, até comentar.
- Esses problemas judiam da gente.
- É pois eu tô precisando de dinheiro, cê não pode me dar uns trocados não?
- Claro.- respondeu Gumercindo ainda com felicidade.
Então pôs as mãos na cintura, retirou um novo pacote dentro de um saco plástico e indagou:
- Quanto você quer? – o catador cara-de-cínico viu aquele monte de dinheiro e respondeu:
- O que você puder me emprestar, depois eu te pago.
- Então leva tudo, amigo é pra isso não é?
Decidiu Gumercindo com o enorme sorriso ainda no rosto. O catador cara de cínico também sorriu, apanhou a quantia oferecida por Gumercindo com generosidade e saiu sem agradecer.
Gumercindo voltou a vasculhar o lixo, enquanto o sujeito se aproximava dos outros catadores e entre uma risada e outra conversa- vam, ao ouvir uma gargalhada do grupo de catadores, Gumercindo se emocionou, ficou feliz por ajudar alguém que precisava e acreditava que aquelas gargalhadas eram de felicidade, pelo catador Ter saído de uma situação tão difícil que é a de passar fome.
Arrecadou o que pôde novamente em seu carrinho de geladeira e foi vender na cooperativa.
Com o dinheiro que conseguiu com a sucata que vendeu, comprou seu almoço e guardou alguns trocados.
No dia seguinte, começou uma nova coleta, arrecadou outros trocados, fez sua economia na cintura e voltou ao lixão para outra coleta, sendo saudado ao chegar pelos catadores, outro deles veio lhe pedir dinheiro, novamente com conversa mole se aproximou:
- Ei Gumercindo, tô com umas contas vencidas tu não pode me emprestar uns trocados.
- Claro que posso. Quanto quer?
- Faz o seguinte, me empresta quanto tiver depois te pago.
Gumercindo fez o que o sujeito sugeriu e novamente deu-lhe tudo que tinha e novas gargalhadas se ouvia quando o sujeito voltava a se agrupar com os catadores.
O catador cara-de-cínico cumprimentava Gumercindo mas evitava se aproximar para uma conversa nos dias que se seguiram e o mesmo fez outro catador que também pediu dinheiro emprestado.
Logo outro catador se aproximou de Gumercindo e oferecendo sua amizade, pediu dinheiro emprestado. Dessa vez a soma havia sido maior, Gumercindo arrecadou uma boa quantia naqueles dias e econômico, havia gasto o mínimo possível, pensava em arrumar seu barraco e acreditava que o dinheiro arrecadado somado com o que lhe deviam, seriam suficiente para construir uma casa de alvenaria no lugar de barraco. Mesmo assim emprestou dinheiro para o terceiro catador que lhe pediu sem cerimônia deu-lhe novamente tudo que guardou, confiante no sujeito que prometeu lhe pagar cada centavo.
Numa outra semana Gumercindo já havia juntado outra quantia com suas três coletas diárias, guardava o suficiente para comer, não gastava com seu barraco e não havia recebido o dinheiro que emprestou para os três catadores, que quando o viam evitavam sua presença.
Outro catador, sabendo dos empréstimos veio lhe pedir auxílio, Gumercindo não viu problema em ajudá-lo, porém emprestou apenas metade da quantia, ficou receoso em demorar para receber.
Três dias depois outros dois catadores vieram pedir-lhe dinheiro, eram os sujeitos que o jogaram do caminhão que continuavam a coletar sucatas ali naquele local.
- Ei Gumercindo...- Chamou um dos catadores com um falso sorriso. Gumercindo os olhou de cima embaixo fez uma cara séria e perguntou em voz baixa:
- O que vocês querem?
- Sabe o que é Gumercindo, a gente queria te pedir desculpas pelo ocorrido no pau-de-arara...
Gumercindo cerrou os lábios e arregalou os olhos, não esperava essa reação daqueles sujeitos que lhe fizeram mal, eis que o sujeito continuou, escoltado pelo outro:
- Então Gumercindo, nós erramos.
- Mas nós estamos arrependidos, queremos teu perdão.
- Meu perdão?- espantou-se Gumercindo, que naquela altura da vida beirando os trinta anos jamais ouvira pedido tão forte. Então pensou enquanto refletia, coçava a cabeça com o boné.
Espichou as barbas com as mãos e decidiu perdoar os sujeitos.
- Perdôo sim.
- Que bom, sabia que tu era cabra de bom coração. – Gritou um dos catadores, cumprimentando eufórico, o outro fez uma cara de alegria e começou uma nova conversa:
- Já que nós somos amigos , acho que podemos contar com sua ajuda, afinal amigos são para ajudar.
- É ... acho que sim.- concordou Gumercindo sem pensar.
- Nossa situação tá braba Gumercindo, só catando lixo, catando lixo e nada de dinheiro.
- Mas por que não vendem na cooperativa?
- Aquele sujeito que vive na balança, TOCOU A GENTE DE LÁ, É RAÇA RUIM!- Exclamou. – Agora tu não né Gumercindo, tu é pessoa boa.
- Mas ele nunca me fez nada de mal. – retrucou Gumercindo ao catador que o abraçou antes de responder enquanto o outro lhe fazia sinais.
- Ele deve tá te enganando, mas isso tu descobre um dia, eu quero te pedir um favor como amigo.
- Peça...
- Nos empreste um pouco de dinheiro, estamos duros e sei que você vende bem sua sucata.
- Eu podia emprestar, mas já emprestei dinheiro pra esse povo todo e não recebi nada.
- Nós somos diferentes Gumercindo. – retrucou o outro catador que apenas fazia sinais durante a conversa. – Vamos te pagar certinho viu? Não é mesmo? – observou o seu parceiro com a cara fechada.
- Além do mais precisamos comer e tu não vai se vingar na gente né Gumercindo? Nos dê o que comer homem, amanhã pode ser tu que esteja precisando, pense nisso.
Gumercindo pensou, sentiu-se mal com aquela situação, lembrou-se da onça, que há muito não o incomodava, assustou-se e amedrontado decidiu:
- Tudo bem, tome aqui o dinheiro que tenho. – retirou o pacote e o entregou com sacola e tudo. – Me paguem até o final do mês tudo bem?
- Claro Gumercindo, amigão, até o fim do mês o dinheiro está na sua mão.
- Sabia que podia contar com tu Gumercindo comentavam os sujeitos se afastando cheios de felicidade, Gumercindo ficou feliz por estarem felizes e novamente voltou ao trabalho, decidiu que não juntaria dinheiro por enquanto, gastaria em seu barraco e no que precisava e no fim do mês, havia comprado algumas roupas que lhe deixavam melhor, suas roupas velhas e rasgadas assusta- vam até aos cachorros, além de incomodar-lhe com os olhares perscrutadores das pessoas na rua.
Suas coletas iam bem, não encontrou nada de valor como as placas de bronze, mas os papelões e plásticos eram suficientes para comer e manter seu barraco. Adquiriu madeiras novas para reformar seu teto que já sofria em época de chuva e reforçou sua porta temendo os ladrões.

sábado, 27 de setembro de 2008

GUMERCINDO: MANDINGA, PÉ-DE-PATO & QUIPROQUÓS CAPÍTULO XII




Os homens que acabaram indo naquele lugar como ele, disfarçavam e vasculhavam o lixo. Incomodados, abaixaram a cabeça e ficaram em silêncio enquanto Gumercindo se afastava.
Ele não sentiu ódio dos homens, nem mesmo rancor ou pena, apenas achou estranho que numa cidade enorme, acabassem se cruzando por ali. Decidiu esquecer o assunto, era passado e isso não o interessava.
Levou o saco cheio de sucata até a cooperativa e novamente ao chegar encontrou o sujeito da balança. Dessa vez, estava atendendo a um telefonema, fez sinal para Gumercindo esperar, após alguns minutos abriu o portão seguido por seus vários cães mansos, mas que latiam sem parar.
Ao ver o enorme saco nas costas de Gumercindo o indagou:
- Então, trouxe coisa boa?
- Acho que sim. – respondeu com cansaço pelo peso nas costas.
Levou meio corcunda o pesado saco até a balança e ao despejar o sujeito ficou feliz com o que viu novamente:
- Outras chapas de bronze! Você é um homem de sorte.
- Senhor acha?
- Isso é difícil achar, ninguém tentou te tomar?
Gumercindo pensou um pouco, lembrou dos dois homens que no fundo o observavam por outro assunto e desconversou:
- Não, eles estavam procurando comida e não ferro.
- Ah, Ah, Ah. – gargalhou o sujeito da balança e continuou com alegria na fala. – Você é uma figura, qual é seu nome?
- Gumercindo.
- É Gumercindo a vida é dura e se for mole cê não dura não. Mas faça o seguinte; está vendo aquele carrinho lá? – apontou o sujeito para um carrinho velho, feito de casco de geladeira, uma lataria improvisada com dois pneus bons que serviam com muita utilidade para carregar sucata.
- Estou. – respondeu Gumercindo.
- Então eu te dou ele em troca dessas chapas de bronze, você aceita? É melhor que carregar peso nas costas.
Gumercindo viu o carro de geladeira, pensou, pensou e comentou:
- Mas é que eu preciso almoçá , tô com fome então preciso de uns trocados.
- Bem, já sei cê quer tomar umas cachaça não é mesmo? – Perguntou o sujeito da balança com bom humor.
- Não eu não gosto de bebida.
- Me engana. – desafiou o homem e sugeriu: - Façamos o seguinte, eu te pago um marmitex e te dou o carrinho em troca dessa sucata, feito?
- Marmitex?
- É uma marmita cheia de comida boa.
- Então aceito, se me der comida e o carrinho, aceito sim.
- Beleza, agora mesmo vou ligar para trazerem nosso almoço, vou pedir uma para mim também.
O sujeito da balança foi ao telefone e fez o pedido em pouco tempo, um motociclista trazia a encomenda. Gumercindo estranhou a embalagem laminada do marmitex.



A segurou e sentou-se num canto da Cooperativa junto à sacola do marmitex, encontrou uma colher e um garfo de plástico, utilizou a colher, achou excelente o cardápio, forrado de carne e legumes.
Em poucas colheradas cheias, Gumercindo comeu a marmitex, lambeu a embalagem cortou um pedaço do lábio, onde saía gotas de sangue. O sujeito da balança fazia sua refeição numa mesa de seu escritório improvisado no centro da Cooperativa e evitava falar nos intervalos de cada colherada.
Gumercindo descansou em silêncio e sentia-se melhor, aos poucos as histórias a respeito de São Paulo que ouvia no Ceará se concretizavam.
A cidade que tinha fartura, trabalho, muitos trocados para receber, acabou descobrindo no lixo. Ali sentiu que conseguiria sobreviver e se continuasse com aquela sorte, imaginava que poderia conseguir um local para morar, deixando para trás seu canto embaixo da ponte.
Após o almoço levantou-se, caminhou até ao carrinho que agora lhe pertencia e orgulhoso saiu á procura de mais sucata.
Refez o já conhecido trajeto da Cooperativa ao lixão e já sem a ajuda dos urubus chegou ao local de seu garimpo.
Quando chegou com seu carrinho de geladeira, os outros catadores cresceram os olhos, atentos invejavam Gumercindo vasculhando o lixo. Achavam estranho ele haver conseguido um carrinho de geladeira em pouco tempo.
Estava alegre e não conseguia disfarçar sua alegria, ao procurar sucata, encontrou papelão e fios de cobre, plásticos com bom valor de venda na Cooperativa e encheu o carrinho voltando para vendê-los.

Ganhou alguns trocados, era tarde, pediu ao sujeito da balança outro marmitex, deixou o carrinho de geladeira na cooperativa e foi embora com seu jantar para uma noite de descanso embaixo da ponte.
Nos dias que se seguiram, Gumercindo continuou com sua coleta, às vezes trazia sucatas de valor outras vezes o que trazia era suficiente apenas para o almoço.
O sujeito da balança lhe oferecia banho todo dia em troca de algumas sucatas e aos poucos também lhe dava roupas limpas que não serviam para seu uso. A onça de seu estômago andava sumida naqueles dias, com vontade e disposição, fazia três coletas por dia e já era figura conhecida neste trajeto. Logo era conhecido e muitas pessoas já o chamavam pelo nome, seus trocados que sobravam, juntava e o guardava na cintura o transportando para onde ia.
Não pretendia gastar com qualquer coisa e pensava em comprar um local para morar, ou um colchão, pois mesmo acostumado com as noites embaixo da ponte, ainda sentia saudades da cama do aloja- mento. Seus ganhos aumentaram a cada coleta de sucata e sentia a cada dia os trocados aumentarem em sua cintura.
No lição os catadores evitavam conversar enquanto vasculhavam o lixo, mas durante um intervalo na coleta, dois catadores conversa- vam chamando a atenção de Gumercindo que se interessou pelo assunto da conversa:
- Então tu quer vender seu barraco? – perguntou um dos catadores ao outro.
- Tô vendendo. – respondeu o outro catador.
- Porque home?
- Tô cansado dessa cidade, de sofrê aqui... passá fome, vô vendê e voltá pro norte.
Gumercindo atento arregalou os olhos, coçou a cabeça com o
boné enterrado, deixou uma garrafa de plástico que acabara de apanhar num carrinho de geladeira e indagou o catador que falava:
- Tu quer vender um barraco é isso?
O catador espantado e levemente irritado com a indiscrição de Gumercindo ao ouvir sua conversa reservada com o outro catador, virou a cabeça observou Gumercindo e respondeu:
- Tô sim... quer comprá?
- Quanto é?
- Quinhentos real.
- Fica perto daqui?
- Fica, na favela... – Apontou o homem para a favela próximo ao lixão.
- Eu quero vê o barraco. – disse Gumercindo ainda com os olhos arregalados. O catador olhou para o outro que fez um sinal de interesse com a sobrancelha, então decidiu:
- Vamos até lá.
Gumercindo coçou sua barba que já havia crescido o suficiente para espichar e espichada de maneira assustadora como se aumentasse o tamanho do seu queixo, Gumercindo saiu pelas ruas da favela com seu carrinho de geladeira com pouca sucata e o empurrava com orgulho.
Chegou ao barraco do sujeito, eram dois cômodos e um banheiro, feitos de sobras de madeira e pedaços de plástico, ali viviam ele e Três filhos, além da mulher que preparava no quintal o que seria o almoço, usando latas de óleo vazias que improvisadas serviam de panela.
- é esse aqui o barraco, gostou?
Gumercindo olhou para as paredes improvisadas do barraco, para a vizinhança de barracos parecidos, outros diferentes, alguns feitos de tijolos. Estranhou o enorme morro bem em frente ao barraco, que ficava no seu começo embaixo de muitos lares.
Logo desviou sua atenção para as crianças, curioso viu o que sua mãe preparava e novamente o catador dono do barraco insistiu numa resposta interrompendo sua análise e seus pensamentos.
- Cumé gostou do barraco?
- Gostei, vô comprá.
- O dono do barraco espantou-se com a decisão de Gumercindo, e se perguntou se aquele sujeito esquisito, teria mesmo o dinheiro para pagar-lhe pelo barraco.
Gumercindo sem dizer nenhuma palavra, tirou da cintura um saco plástico de lá saiu um pacote cheio de notas de todos os valores. O dono do barraco boquiaberto ajudou a contar o dinheiro a pedido de Gumercindo, ao todo a soma era de mil e duzentos reais, bem guardados com muito suor.
- Esse dinheiro dá ? – Questionou Gumercindo com ingenuidade, não conhecia dinheiro, juntou para conseguir comprar um canto, um barraco, mas não sabia fazer contas e nem entendia de valor algum, imaginou que seu dinheiro era suficiente para a compra pela quantidade de coletas que fizera para arrecadá-lo e pelo tamanho do pacote de notas. Não confiou em perguntar para o sujeito da balança quanto tinha, temia que o roubasse, mas no dono do barraco confiou e sentiu pena por suas crianças, novamente olhou para as panelas de lata de óleo na fogueira e viu apenas água e fubá.

Acompanhe o livro Gumercindo: mandinga, pé-de-pato & quiproquós cada semana um novo capítulo

domingo, 21 de setembro de 2008

GUMERCINDO: MANDINGA, PÉ-DE-PATO & QUIPROQUÓS CAPÍTULO XI - ROMANCE DE RICARDO CUNHA


Desceram do prédio e Gumercindo se apressou em procurar o lixão. Caminhou pela cidade e observava vez por outra o céu, para seguir os urubus e encontrar com facilidade o lixão.
Andou bastante para chegar ao lixão, ao aproximar-se, via muitos caminhões de lixo que passavam lotados e voltavam vazios. O cheiro era parecido com o seu, há meses não tomava banho.
Chegou ao lixão e se apaixonou pelo local, várias pessoas vasculhavam as montanhas de lixo em busca de comida e sucata. Gumercindo sabendo que valia dinheiro, sentiu uma enorme fartura naquele local.
Com tanto lixo, tanta sucata não precisava pedir comida, ganharia o suficiente para se manter. Os urubus que viu no céu, pousavam próximo das pessoas e se afastavam com algum movimento involuntário dos catadores que os assustavam.
O espaço do lixão era enorme, cabia ali três ou quatro campos de futebol. O lixo jogado era pulverizado e aterrado num espaço preparado recebê-lo, de um modo desleixado e negligente.

As pessoas se aprofundavam nas montanhas de lixo e ali apanhavam o que podiam. Homens, mulheres, velhos e crianças, alguns famintos, comiam o que achavam:
Enlatados vencidos, carne podre de porco, de gado, de aves e até de gente. Era normal ver algum rato correr entre o entulho, sendo motivo de susto para os catadores.
Os urubus esperavam a análise e o aval de seu líder para atacar a carniça que encontravam e comê-la. Remexiam à procura do que mais queriam, e eram aceitos como verdadeiros donos daquele local.
Ali comiam, se encontravam e faziam seus ninhos, ao nascer os filhotes os deixavam à deriva e estes logo precisavam se enturmar ou custaria a própria vida, sua individualidade.
Os filhotes vomitavam quando viam gente, ou por desprezo ou nojo. Vomitavam a carniça que seus pais lhe deram e guardaram.
Vomitavam uma carniça podre que lhe foi dada e saia como necessidade fétida, horrorosa para qualquer humano.
Gumercindo descuidou-se ao caminhar pelo lixão e quase pisou num ninho de urubus com quatro ovos e três filhotes. Ao observá-lo os urubus abaixaram a cabeça e estranhamente não vomitaram como de costume e manifestavam como se sentissem seguros com sua presença.
Afastou-se do ninho e continuou a observar as montanhas de lixo disputadas com ansiedade pelos catadores. Então tentou contatos com as pessoas que não lhe deram atenção e continuava a busca apressadamente.
Gumercindo decidiu procurar sucata como faziam, apanhou alguns papelões enormes, um destes foi dividido por uma mulher que o puxou com força, o arrancando de suas mãos.
Procurou por outras sucatas, apanhou o que pôde, conseguiu uma enorme sacola, encheu com o que arrecadou e apressadamente levou para a cooperativa, seguindo o enorme trajeto que fizera novamente.
Ao chegar na cooperativa, foi atendido novamente pelo sujeito da balança, que pesava uma remessa de plástico prensado.
- Ah vejo que já conseguiu sucata. – comentou o sujeito da balança.
- Sim, consegui. – Respondeu Gumercindo, então levou a sacola que carregava nas costas e jogou o que continha no chão.
- O que é isso? – impressionou-se o sujeito da balança: - Isso não vale nada, é só lixo, aí só tem enlatado, resto de comida e argh, carniça... Tira isso daqui. –irritou-se o homem, então Gumercindo juntou novamente o lixo que arrecadou, colocou na sacola que tinha e voltou ao lixão para devolvê-lo. Caminhou novamente, ao chegar apanhou o que pôde de papelão e ferro, lotou um enorme saco e já era noite quando retornou o longo caminho de volta à cooperativa.
Chegou e o sujeito da balança não estava mais ali, ao ser chamado por Gumercindo, o sujeito apareceu na janela do velho prédio e de lá gritou:
- Por hoje chega, agora só amanhã vou voltar a funcionar.
- Mas eu trouxe papelão e ferro dessa vez.
- Eu já tomei banho, coisa que pelo seu fedor você desconhece, não vou mais mexer com lixo hoje não.
- É que eu tô com fome, não comi nada hoje.
- Se vira parceiro, amanhã eu abro cedo. Boa noite. – despediu-se o sujeito da balança ao afastar-se da janela.
Logo as luzes do velho prédio da cooperativa se apagaram. Triste, Gumercindo seguiu para seu reduto embaixo da ponte.
Muito cansado, desabou num canto limpo quando chegou, e dormiu profundamente esquecendo da fome, do cansaço e da tristeza com o trabalho perdido daquela tarde.
Naquela noite, Gumercindo não sonhou e a sucata que arrecadou, serviu de travesseiro. O zum-zum dos carros não incomodaram seu pesado sono e permaneceram até ao amanhecer, quando o sono o abandonou e ele voltou a ouvi-los.
Zum, Zum, Roooommmmm ...
Soava bem alto na estreita ponte. Gumercindo abriu seus olhos e um frio na barriga anunciou que a onça de seu estômago começava a despertar.
No dia anterior não almoçou nem jantou, então temendo a angústia da fome somada a fúria da onça. Gumercindo levantou-se, apanhou o saco cheio de sucata e rumou em direção a Cooperativa.
Levou algum tempo para concluir o trajeto, ao chegar, avistou o sujeito da balança já trabalhando, pesando fardos de sucata.
Ao avistá-lo o sujeito da balança abriu o portão e Gumercindo adentrou feliz com o saco nas costas.

O sujeito da balança fez cara-feia ao sentir o fedor de Gumercindo e com ar repulsivo o questionou:
- Isso é sucata mesmo?
- Agora é, trouxe papelão e ferro.
- Então me mostre.
Fazendo o que o sujeito da balança pediu, Gumercindo apressou-se em mostrar a sucata que tinha no saco, virou de boca para baixo e despejou o seu conteúdo. Como dissera havia ali papelão e alguns pedaços de ferro que trouxera, o sujeito da balança se espantou.
- Ora essa, você é um cara de sorte.
- Por que?
- Essas chapas são de bronze, dão um bom dinheiro.
Gumercindo arregalou os olhos e abriu um sorriso, o homem pesou o bronze e lhe propôs um negócio:
- Vamos fazer o seguinte, você toma um banho no meu banheiro, te dou café com pão, algumas roupas velhas que tenho ali em troca dessas chapas de bronze.
Gumercindo gostou da proposta e sem pestanejar aceitou. O sujeito da balança realmente ganharia um bom dinheiro com aquelas chapas de bronze, então fizera um bom negócio.
Satisfeito mostrou o banheiro que havia o chuveiro e apressou em trazer algumas roupas velhas, porém limpas.
O banho durou mais de uma hora, sendo interrompido pelo sujeito da balança, aborrecido com a demora, Gumercindo sentia-se renovado, vigoroso com sua limpeza. Vestiu as roupas que ficaram largas, mas que serviu em seu corpo magro.
Junto com as roupas havia um boné com a marca da cooperativa estampada, o colocou na cabeça com seus cabelos crespos e espichados que nem lembrava quando cortou ou mesmo se o fez alguma vez.
A “onça” começava a bramir em sua barriga, então apressou o sujeito da balança:
- E o café com pão que o senhor ia me dar?
- Já vou lhe trazer. – respondeu o sujeito da balança, deixando o trabalho de lado e indo apanhar o que foi prometido.
Quando trouxe, Gumercindo fez festa, além do café, o sujeito da balança lhe trouxe pão, queijo e duas frutas: Uma banana e um ma- mão. Devorou o queijo primeiro entre goladas de café, em seguida o pão foi a vítima da “onça” e ao devorar as frutas ela já adormecia.
- E agora vou lá no lixão pegar mais.
- Beleza, isso mesmo, traz mais papelão e ferro, o que der para você trazer de valor eu compro.
Animado com as palavras do sujeito da balança e sentindo-se melhor com o trato que recebeu, Gumercindo apressou-se em buscar mais sucatas.
Encontrou as mesmas pessoas que viu no dia anterior e novamente elas o trataram com indiferença. Uma das crianças ao percebê-lo comentou com sua mãe:
- Mãe, ó aquele home feio de novo.
Gumercindo estranhou a atenção da menina e a desatenção da mãe para com a filha que continuava a revirar as montanhas de lixo em busca de entulho.
Então novamente viu um ninho de urubus, que abaixaram a cabeça ao percebê-lo. Um outro catador aproximou-se próximo do ninho para revirar o lixo, quando um dos filhotes vomitou enojando o homem.
Gumercindo então surpreso se afastou e começou sua busca. Novamente encontrou placas de ferro e bastante papelão, durante a procura arranjou outro enorme saco de estopa que estava pela metade com trigo.
Jogou o conteúdo no entulho, e colocou o que arrecadou dentro, nesse intervalo sentiu-se observado por dois homens, tal observação o incomodava. Então irritado levantou a cabeça e os fitou, eis que os homens eram os que o jogaram do pau-de-arara.
Espantados com a presença de Gumercindo e constrangidos, desviaram o olhar. Surpreso mas não envergonhado como os dois sujeitos, Gumercindo ergueu o saco e o colocou nas costas sem tirar os olhos deles.

domingo, 14 de setembro de 2008

GUMERCINDO: MANDINGA, PÉ-DE-PATO & QUIPROQUÓS - CAPÍTULO X Romance de RICARDO CUNHA



Ali deitou-se e descansou as pernas que doíam por tantas caminha –das. Ao ficar descansado, sorriu e sentiu-se aliviado.
Portanto precisava se ajeitar, conseguir comida para jantar e se possível até mesmo algo confortável para se deitar durante a noite.
Saiu quando já era tarde, então perambulou à procura de comida, temendo a volta da onça com sua fúria. Se apressava em encontrar o que comer, sentiu derrepente um cheiro agradável que atiçou seu paladar, procurou pelo cheiro que vinha de uma esquina com ruas mortas, e lá novamente avistou uma multidão.
Aproximou-se receioso, assustado percebeu que os homens e mulheres ali presentes eram como ele; mal-vestidos e sujos , então se confortou e deixou a cautela.
A razão para aquela concentração, eram algumas pessoas com um enorme caldeirão, cheio de sopa, com um cheiro delicioso que exalava convidando os esfomeados. Distribuindo as refeições, um grupo de pessoas mal-humoradas que vestiam camisetas brancas e demonstravam fazer aquilo como uma obrigação.
Havia uma fila desordenada e os esfomeados apanhavam a sopa e um pedaço de pão e um copo de chá, servidos em copos e pratos descartáveis.
Gumercindo ficou feliz com o que viu, então foi até o local de entrega das refeições, um dos mendigos o olhou com cara feia e entrou em sua frente, ele hesitou. Porém continuou ali até receber sua refeição ao consegui-la devorou rapidamente e guardou o pão para o dia seguinte.
Voltou então para sua ponte e teve uma noite agradável, seus pesadelos.
Os dias que se seguiram foram de mesma forma, havia até mesmo uma certa rotina. Gumercindo acordava cedo, caminhava á procura de comida, pedia para algum transeunte ou comerciante.
Algumas vezes recebia sim, muitas vezes recebia não, mas sossegava apenas quando a “onça” do seu estômago saciava.
À noite procurava a sopa gratuita distribuída em alguns pontos da cidade, conhecia cada local que havia e não se preocupava em visitá-los duas ou três vezes durante a noite.
Assim foram dois anos e beirava os três. Gumercindo nunca sentiu-se incomodado embaixo da ponte, despreocupado acostumou-se com o chão duro e nem procurou se confortar com algo para deitar-se.
Gostava da cidade e se adaptou à ela, não pensava em voltar para o Ceará e acreditava que o melhor era viver daquela maneira.
Durante uma manhã de procura por comida, recebeu diversos nãos, e um convite para "trabalhar vagabundo", aquilo mexeu com sua cabeça. Á noite perdeu a fome, não conseguiu comer, e aquele "vai trabalhar vagabundo", com a força de suas palavras o incomodava e durante essa noite sem dormir, decidiu que precisava trabalhar, era um vagabundo, quando podia ser um trabalhador e gostava de trabalhar, sentiu saudade da obra e do alojamento, porém nem pensava em voltar, sentia medo da agressividade do cozinheiro e dos outros trabalhadores. Além de se envergonhar por ter abandonado o contratante.
Queria trabalhar para pagar sua comida, ter seus trocados, comer sem pedir e ficar livre, era tudo que queria, trabalhar para viver e não o contrário.
No outro dia procurava por emprego, caminhava, perguntava, mas mal-vestido, com a barba por fazer, sem tomar banho há muitos dias, dificilmente alguém o ajudaria. Então percebeu numa rua morta, um velho carregando papelões e sucata dentro de um carrinho de ferro, uma espécie de sucata transformado em puxador de carga.
Aproximou-se do velho e o indagou:
- O que tu vai fazer com esse lixo?
- Vou vender ora essa. – respondeu o velho sem dar atenção.
- E vende é?
- Claro, lá no ferro-velho.
- E onde fica o ferro-velho?
- Duas ruas para baixo daquela avenida.
Gumercindo gostou da idéia, apressado seguiu em direção ao ferro-velho para buscar informações sobre a venda do lixo que o velho lhe falou.
Chegando ao local, um prédio abandonado forrado de sucata, onde havia vários cachorros latindo e um sujeito que pesava com o auxílio de uma balança, um enorme fardo de papelão. Gumercindo aproximou-se e perguntou para o homem:
- Aqui é o ferro-velho?
O homem um gordo de óculos com lentes e armação grossas, olhar míope, sujo da cabeça aos pés, disfarçava a careca com um boné personalizado com a marca de uma cooperativa estampado logo na frente. Observou Gumercindo ao responder:
- O que cê acha?
- Acho que é.- retrucou Gumercindo.
- Então... O que quer?
- Quero vender papelão lixo...
- Aqui a gente só compra, não contrata ninguém. – interrompeu o sujeito da balança.
- E quanto paga ?
- O sujeito sorriu, olhou para Gumercindo, abaixou a cabeça a mexeu enquanto coçava a careca já sem o boné e respondeu:
- Olha, funciona assim: Você traz a sucata; alumínio, ferro, plástico, papelão, tudo separado. A gente pesa e após pesar faço as contas e te pago o valor.
Gumercindo arregalou os olhos e fez um sinal positivo com a cabeça. Lubrificou os lábios e continuou a falar:
- E onde consigo a sucata?
- Na rua, nos terrenos baldios... Olha, lá perto da favela, abaixo da marginal, tem um lixão. Ali é depositado todo o lixo... ou quase todo lixo da cidade e lá cê vai encontrar muita sucata é só ir lá e nos trazer.
- Tá certo, como eu chego lá?
- Mas cê pergunta hein home . – Se aborreceu o sujeito da balança, então num movimento rápido se afastou da balança e convidou Gumercindo para acompanhá-lo, o fez e juntos subiram até o parapeito do velho prédio abandonado. De lá o homem apontou para o lixão que ficava longe dali, mas alguns pontos negros no céu o denunciavam.
- O que são aquilo no alto? – Indagou Gumercindo.
- Ah, aquilo são urubus é só segui-los que você chega no lixão.
Gumercindo observou o lixão fascinado com aquela enorme nu- vem de urubus acima de tanto lixo. Boquiaberto permanecia observando sem se preocupar em incomodar o sujeito da balança.
Eis que ele ansioso o pressionou:
- Então já deu para saber onde que é não?
- Sim, acho que deu. – respondeu Gumercindo sem tirar os olhos daquela imagem.
- Então vamos , pois preciso trabalhar.

domingo, 7 de setembro de 2008

GUMERCINDO: MANDINGA, PÉ-DE-PATO & QUIPROQUÓS CAPÍTULO IX


Durante sua caminhada ainda sem destino, Gumercindo desvencilhou-se de seus pensamentos ao observar um enorme prédio, ficou espantado com sua altura, uma bandeira minúscula na ponta do prédio que parecia estar entre as nuvens, sua imagina-ção o levou até o último andar do prédio, não teria coragem para tentar subir até lá, o prédio imponente como era, devia ter seus guardiões severos e uma regra que com certeza o impediria de entrar.
Na sua imaginação o alto do prédio era fabuloso, dava para tocar as nuvens e talvez à noite pudesse pegar uma estrela ou pedir benção para Deus com as próprias mãos. Dali podia ver a cidade inteira e as pessoas se tornariam invisíveis, quase nada escaparia ao seu olhar, se sentiria o maior homem do mundo, o bosque da cidade, os ônibus, todos estariam ao alcance de suas mãos.
Porém a buzina alta de um desses ônibus desviou sua atenção e imaginação, espantou-se com o barulho e aquietou seus devaneios.
Novamente continuou seu caminho, dessa vez pensou em conseguir um destino, lembrou-se que precisaria dormir à noite e teria de ter um lugar para ficar.
Pensou nos bancos das praças, mas logo notou uma guarda com roupas escuras e cassetete na mão expulsando um velho mendigo que deitava num dos bancos.
Sentiu medo, imaginou se fosse com ele, teria medo de apanhar.
Durante seu trajeto, viu uma pequena ponte, onde raros carros passavam, então adentrou embaixo dela, sentiu conforto ali. Atrás de dois pilares que a sustentavam, tinha um enorme espaço limpo e bem cuidado, onde poderia dormir tranquilamente, protegido da chuva e do sol, além de ser fechado por uma parede enorme que fazia um bloqueio do vento da noite, o protegendo do frio.
Decidiu ficar ali, gostou muito daquele lugar embaixo da ponte, sentia-se que não seria incomodado, apenas um zum-zum, quando os carros passavam eram ouvidos e pela aparência do lugar, ninguém estivera ali por aqueles dias.
Sentou no lugar que escolheu para descansar e apertado, urinou ali mesmo, arrependeu-se mais tarde ao sentir o forte mau-cheiro que ficou, deitou-se e logo à noite chegou, antes de dormir, pensou no que lhe acontecera naquele dia. Dormiu e teve pesadelo com a mulher estranha, com o cozinheiro ranzinza de onde trabalhava e com o rapaz drogado.
No pesadelo todos eram seus inimigos e queriam agredi-lo, fugia e se escondia, mas eles sempre tentando agarrá-lo, até que conseguiu subir no prédio mais alto da cidade de São Paulo e ficou seguro. Lá ninguém o alcançaria e então no seu pesadelo, eles ficavam xingando e reclamando da má-sorte, de não poder agarrá-lo.
Quando já estava sentindo-se livre no alto do prédio, eis que seus algozes apareceram, além de outra figura conhecida: O contratante, que empunhava uma picareta nas mãos.
Assustado, tentou novamente fugir, a mulher estranha rodava sua bolsa, o rapaz drogado tinha convulsões, babava e fazia caretas, rastejando em sua direção. O cozinheiro ranzinza portava uma faca enorme e uma lima onde a amolava.
No seu traje branco, havia manchas de sangue que davam àquele homem, a imagem de um assassino.
Em seu pesadelo a sensação de tranquilidade foi-se embora, arregalou novamente os olhos e com os lábios cerrados, correu até o parapeito do prédio, continuou a ser seguido a passos lentos pelos seus algozes, então percebeu que a única maneira de livrar-se seria pulando daquele enorme prédio.
O fez, caiu em grande altura e quando começou a imaginar a queda, acordou, ensopado de suor.
Uma sensação de tranquilidade o confortou, porém naquela noite não conseguiu dormir e olhando para o teto da ponte e sentindo o zum-zum de um carro ou outro que passava esporadicamente naquelas horas da noite. Refletia sobre como as pessoas agiam e desis
- tiu de pensar ao perceber que no fundo eram todas iguais.
Ao amanhecer, levantou-se cedo, faminto e ainda cansado, caminhou até a praça para arranjar o que comer. A noite embaixo da ponte não lhe foi fácil, os pesadelos não lhe permitiram um sono agradável e o lugar apesar de limpo e protegido contra o vento, judiou de suas costas que já estavam acostumadas com o conforto da cama do alojamento.
O resultado foi ficar com o corpo todo dolorido, mesmo assim a fome não deu trégua e logo a “onça” do seu estômago começou a bramir:
- OHAAARRRRR , OHAAARRRRR...
Com a mão no estômago para controlar a ira da “onça”, continuou a caminhar em busca de comida. Mais alguns passos e a “onça” terrível voltou a agir:
- OHAAARRRRR, OHARRRRRR...
Desesperado, apressou o passo, quando viu uma grande concentração de pessoas num enorme salão, aproximou-se, observou um homem bem-vestido de terno, falando ao microfone:
- Então irmãos quem aqui aceita Jesus?
Gumercindo sentindo a fúria da “Onça” e sem perceber o que dizia o homem bem-vestido, ergueu a mão e logo o homem apontou para ele.
- Ali, temos um irmão!
Eis que a multidão abriu espaço e todos fitaram Gumercindo, que mal conseguia caminhar com a fome atiçada pela “onça”. Ainda com a mão na barriga, cambaleando, algumas pessoas o ajudaram a ir até ao homem bem-vestido seguido de aplausos da multidão.
Levaram-no até ao palco onde estava o homem bem-vestido e lá o sujeito começou a falar-lhe:
- Então irmão, aceita Jesus como salvador?
Gumercindo ainda com dor, abaixou-se e sussurrando respondeu ao microfone:
- Se ele me der de comer aceito.
A multidão observou o homem bem-vestido apavorada, disfarçou com as palavras de Gumercindo.
- Você quer dizer que aceita não é irmão? – E novamente o homem bem-vestido colocou o microfone para Gumercindo falar, mas a onça continuava sua fúria e não conseguia controlar sua fome e apenas abriu a boca quando o microfone se aproximou e o som do urro da onça veio com força:
- OHAAARRRR... OHARRRR... OHARRR... OHAAARRRR...
O barulho do urro foi enorme e explodiu nas caixas de som, assustando os presentes. O homem bem-vestido sem jeito e assustado com a situação, inventou uma desculpa para aliviar as pessoas:
- O irmão está endemoniado. Saia demônio, do corpo desse bom homem, saia demônio.
- E bradava com a mão sobre a cabeça de Gumercindo como se realmente excomun- gasse um demônio. Seus auxiliares seguraram Gumercindo que já abatido, mal conseguia se manter em pé, e a onça voltou a bramir:
- OHAAARRRR, OHAAARRRRR...
E já não assustava ao homem bem-vestido que se satisfazia, quando Gumercindo liberava o urro creditando-o ao demônio que dizia possui-lo. Colocou as duas mãos sobre Gumercindo, enquanto um dos auxiliares segurava o microfone para dizer em tom forte as palavras que excomungaria o demônio:
- Saia demônio, aqui não é teu lugar, em nome de Jesus, liberte esse pobre homem, eu ordeno que liberte esse homem, ele me pertence. O rebanho de Deus o quer de volta, saia demônio.
Quase desmaiando com a fúria da fome e a pressão do homem bem-vestido, Gumercindo rodava a cabeça com os olhos arregalados e a boca aberta. Derrepente observou entre a multidão atenta um sujeito gordo, segurando um enorme lanche.
Boquiaberto, o sujeito gordo nem se mexia enquanto aguardava o desfecho do episódio para comê-lo.
Gumercindo lambeu os lábios e com a fúria da “onça” somado à sua pouca mas resistente força, conseguiu se libertar dos auxiliares derrubando o homem bem-vestido com seu microfone, em seguida correu em direção ao homem gordo, apanhou o lanche que segurava e correu se afastando da multidão. Comia enquanto corria, e a multidão espantada o observava afastar-se.
Arfando e ainda cambaleando, devorava o enorme lanche, mal sabia o gosto, não dava tempo de saboreá-lo. Acalmava a onça do seu estômago a cada pedaço engolido.
Devorou o lanche e em pouco tempo a “onça” já não bramia, nem miava, sossegou.
Então Gumercindo a passos lentos, pensou em toda aquela loucura e voltou para seu reduto embaixo da ponte.

domingo, 31 de agosto de 2008

GUMERCINDO: MANDINGA, PÉ-DE-PATO & QUIPROQUÓS CAPÍTULO VIII


As refeições sempre feitas na cozinha-refeitório do alojamento, eram servidas em bandeijões e os trabalhadores esfomeados faziam uma enorme fila e comiam o máximo que podiam.
Gumercindo preocupado com a volta da onça fez o mesmo e adorou a comida do cozinheiro ranzinza. Após o almoço foi falar com o cozinheiro que apressava os trabalhadores para poder lavar os bandeijões, pressa desnecessária para aqueles sujeitos esfomeados. Gumercindo aproximou-se do cozinheiro que segurava algumas bandejas sujos e comentou:
- Tua comida é boa.
O cozinheiro ranzinza observou o rosto de Gumercindo com seu olhar maldoso e respondeu:
- Não pedi a tua opinião.
Então espantado com a resposta ficou em silêncio e foi descansar para retornar ao trabalho.
Os dias passaram e assim era a rotina do trabalho de peão-de-obra no alojamento. Resumia-se em: acordar, tomar café com pão, trabalhar, almoçar, descansar, trabalhar, almoçar, descansar, trabalhar, jantar, tomar banho, dormir, acordar e repetia tudo novamente. Aos domingos , único dia de folga, os trabalhadores se reuniam para contar piadas, jogar baralho e sentir saudade.
Gumercindo nada fazia, ficava pensando, tinha vontade de conhecer melhor a cidade, mas o passeio e a saída do alojamento não lhe eram permitidos.
O contratante avisava a todos:
- Querem sair? Podem ir, mas não os aceito de volta. – Não querendo ficar sem o trabalho, Gumercindo não saia, mas sentia saudade da vida na rua, de ver as outras pessoas das árvores, dos trocados que ganhava. Lembrou-se dos míseros trocados e percebeu que até então nada ganhou e estava há dois meses no trabalho.
Então após o descanso de uma semana de trabalho, decidiu perguntar ao contratante sobre o fato. Esperou a manhã de trabalho da semana seguinte, quando o contratante chegava na obra da mansão, ao vê-lo, deixou os três pedreiros e foi falar lhe falar:
- Ei seu contratante...
- Diga.
- É sobre dinheiro, quanto vou ganhar?
O homem disfarçou, olhou para alguns papéis que segurava nas mãos e respondeu:
- Que dinheiro? Te dou comida, casa e até mando lavar suas roupas.
Gumercindo pensou na resposta e continuou:
- tá certo, a comida é boa, a casa também, roupa eu tenho pouco, na rua lá no Ceará eu ganhava uns trocados e podia sair para ver as árvores, gente passando e voltando, os carros... eu sinto falta disso.
- Escute aqui Gumercindo, você devia me agradecer por te ajudar e não me pedir dinheiro. Quantas pessoas não gostariam de estar no seu lugar hein? Se tu sai hoje, amanhã eu consigo dez para por em seu lugar, você que sabe. Se quiser ir, pode ir, mas eu te aviso, lá fora a vida é dura, tu vai passar fome, frio, desprezo, não esqueça que aqui não é o Ceará.
- Então o senhor não pode me levá de volta?
- Claro que não, eu paguei p’ra tu vir, eu não pago para tu voltar, ficou louco? P’ra mim é prejuízo.
Gumercindo voltou a pensar, pensou e decidiu voltar ao trabalho.
O contratante chamou um dos seus trabalhadores mais próximos e ordenou:
- Fica esperto com esse sujeito.
O trabalhador fez sinal de cabeça, concordando com a ordem. Gumercindo trabalhou como nos outros dias e sentia-se triste em não poder receber seus trocados e comprar seu pingado na hora do almoço, ou passear pelas praças. Porém o que o contratante disse, fazia sentido, não conhecia São Paulo e podia sofrer muito, sem conhecer ninguém naquela grande cidade.
Ao passar dos dias foi se decepcionando com a própria cidade, de que adiantava estar em São Paulo com toda aquela riqueza que lhe foi dita diversas vezes no Ceará, mas não podia conhecer, e nem desfrutava da beleza das árvores e das praças, nem conhecia as pessoas. Vivia ali com os trabalhadores que eram como ele: Nordestino e nem parecia Ter saído do nordeste, ainda por cima sofria a mesma indiferença ou quando esta faltava, era motivo de chacotas pelos homens hostis que com ele trabalhava. Sentiu apenas um pouquinho da cidade quando chegou, mas teve que sofrer no pau-de-arara, ser despejado e caminhar muito para ter sentido, apenas isso.
Não achava justo ficar ali sempre trabalhando, apenas para comer e Ter lugar para dormir.
Aos poucos foi se cansando e pensava muito durante o trabalho e assim se foi três meses, quando enfim decidiu partir:
- Hoje vou embora. – Falou ao levantar-se da cama, rapidamente vestiu suas roupas velhas, tomou o café com pão, enquanto os trabalhadores cochichavam a respeito do que disse, então foi até o cozinheiro e avisou:
- Hoje eu vou embora, não quero mais viver aqui, quero conhecer a cidade.
- Ficou biruta? – gritou o cozinheiro espantado. – Você não pode ir embora.
- Como não?
- Está devendo, trabalhou aqui, mas comeu durante esse tempo todo.
- Mas eu preciso ir embora.
- Por que eu não aguento mais viver aqui.
Durante a conversa, o contratante apareceu e pediu explicações para um dos trabalhadores:
- O que está havendo?
- O Gumercindo quer ir embora.
O contratante então foi em direção à Gumercindo e pediu para explicar o motivo da conversa:
- Por que quer ir embora Gumercindo? Aqui tu tem tudo, o que tu quer mais?
- Quero ver a cidade, passear, ganhar uns trocados, tomar um pingado.
O cozinheiro ouvindo a conversa o alertou:
- Lá fora tu vai passá fome.
- Eu sou acostumado a passá fome.
- Mas e o frio, lugar p’ra dormir? – continuou o cozinheiro.
- Eu sempre dormi pelo caminho, durmo em qualquer lugar.
- E seus amigos? – Tentou convencer o cozinheiro.
- Eu não tenho.
O cozinheiro ficou aborrecido e voltou aos seus afazeres, o contratante pensou no que faria então resolveu:
- Olha Gumercindo, se tu quer ir, vá. Só que pense bem, eu não vou te querer de volta e não aceito reclamação.
- Tudo bem, eu não vou reclamá. – respondeu Gumercindo e sem despedir-se, saiu em direção ao portão de entrada. Logo um dos trabalhadores levantou-se da mesa do refeitório e sugeriu ao contratante:
- Se quiser podemos pegar ele na marra, damos um pau nele e fica aqui para sempre.
- Não, deixe que vá, amanhã ele volta, conheço esses tipos. – respondeu o contratante, enquanto todos observavam a saída de Gumercindo. Ao aproximar-se da porta, o contratante decidiu falar:
- Ei Gumercindo, boa sorte, mas se precisar pode voltar.
Gumercindo olhou para os trabalhadores, para o cozinheiro que fazia cara de triste e o contratante e em silêncio voltou a abrir o portão. Ao abri-lo uma forte brisa fechou seus olhos e apontou o caminho da rua.
Na rua sentiu-se feliz, o barulho do trânsito o agradava, sentia-se livre, perambulava por entre as praças sem destino certo, sentou-se num banco, observava as pessoas e degustava a beleza da manhã. Respirava o ar agradável do bosque, achou engraçado a estátua de um vulto que desconhecia, forrada de fezes de passarinhos.
As pessoas não se importavam com a sua presença e ele também não dava importância para a atenção dos transeuntes.
Continuou a caminhar pelas ruas da cidade em determinado momento quase foi-se embora com sua curiosidade, pobreza e tudo o mais. Ao atravessar uma avenida descuidou-se e um carro desviou com uma freada brusca, evitando o atropelamento com uma buzina alta e vários palavrões.
Gumercindo assustado com o episódio, evitou as grandes avenidas, e continuou seu caminho sem destino pelas ruas mortas.
Aquelas ruas suportavam em sua vizinhança casas e pessoas velhas, além de convidados nada ilustres, como bêbados-mendigos, prostitutas, travestis e outros párias da sociedade.
Enquanto caminhava, Gumercindo arregalava os olhos ante o que via; mulheres estranhas, sujeitos que como ele não tinham para onde ir e ficavam por ali gastando o que não possuíam com bebida.
Espantou-se ao perceber um jovem entre eles, com roupa gasta como a sua, aparência de bom-menino, mas mexia freneticamente os olhos e a boca num movimento que aterrorizava quem o observava.
Gumercindo desviou seu olhar e não entendeu o motivo daquela reação do menino, sentiu pena, mas confundia-se com aquilo, apesar de nunca ter bebido.
Nunca teve vontade de beber e não dava importância à bebida, sabia quando alguém estava bêbado e como ela reagia, e sua reação em nada parecia com a daquele rapaz. Então preocupado parou com sua caminhada, observou novamente o garoto com seus movimentos frenéticos e perguntou para uma mulher estranha:
- O que ele tem?
A mulher estranha fitou Gumercindo, apoiou o braço esquerdo com o direito, enquanto fumava um cigarro, então com uma voz masculina respondeu:
- É a paulada do crack.
- Do que?
- Crack meu bem, vai me dizer que não conhece?
Meio abobalhado e notando que a mulher estranha mais parecia um homem vestido de mulher, Gumercindo continuou:
- Não conheço não.
A mulher estranha, deu uma tragada em seu cigarro, jogou a fumaça para cima e com a voz baixa e um leve sorriso explicou:
- Meu bem, você é ingênuo, aquele menino tomou droga e o que ele tomou chama-se crack e o efeito é aquilo que você está vendo.
- Mas parece que ele vai morrer.
- Que morrer que nada bem. – Disse a mulher estranha chacoalhando a cabeça para o lado e em seguida ajeitando seus cabelos cacheados à altura do pescoço. – Este daí daqui a pouco está atrás de mais crack, é só o efeito passar que ele quer mais.
- Mas por que?
- Por que ... – Quando a mulher estranha se preparava para responder a Gumercindo, surpreendeu-se com o rapaz que de repente deixou aquele movimento com os olhos e a boca, ergueu a cabeça, olhou para os lados, sorriu, levantou-se e começou a andar.
Gumercindo afastou-se da mulher estranha, abordou o rapaz, e o indagou:
- Ei, você está bem.
O rapaz estranhou a pergunta, mas respondeu:
- Tô sim.
- E onde vai agora? – continuou Gumercindo.
- Vou buscar outra pedra.
- Outra o quê?
- Pedra parceiro, deixa eu ir. – E apressado deixou Gumercindo e seguiu rumo atrás de mais entorpecente. Boquiaberto ficou ante a reação da mulher estranha:
- AH, AH, eu não falei? – debochou.
Então confuso com a atitude do rapaz em querer sentir-se mal, em passar mal e ficar com uma aparência medonha, Gumercindo continuou a caminhar seguido pelo olhar da mulher estranha.

domingo, 24 de agosto de 2008

GUMERCINDO: MANDINGA, PÉ-DE-PATO & QUIPROQUÓS CAPÍTULO VII


Ao chegarem no alojamento, o contratante apressou-se em apresentar o quarto onde Gumercindo iria dormir, teria de dividi-lo com mais quatro homens que trabalhariam com ele. O contratante lhe explicava os detalhes enquanto apontava o canto do banheiro, os outros quartos e a cozinha.
Era uma espécie de cortiço, muito simples e organizado, com uma dezena de quartos cada qual suportava cinqüenta homens, todos contratados para trabalhar numa obra ao lado, onde seria construída uma enorme mansão.
- Bem Gumercindo, tu pode tomá um banho e isperá o almoço lá no teu quarto.
Gumercindo sentia-se bem ali, acreditava que os outros trabalhadores o receberiam com a mesma cordialidade do contratante.
Então fez o que o contratante sugeriu; foi ao banheiro coletivo sem toalhas ou roupas limpas para tomar banho, e lá havia alguns homens nos chuveiros que eram muitos, onde banhavam-se à mostra.
Os homens nordestinos como ele vindos de estados variados, demonstravam serem muito alegres e brincalhões. Como crianças faziam graça com a aparência do outro e com hostilidade receberam Gumercindo.
- Ih, já chegou um pé-inchado. – disse um sujeito alto, barba rala com dois dentes em falta no centro da boca.
Gumercindo ficou quieto, liberou um leve sorriso e não entendeu a brincadeira, tirou a roupa após o ato e seguiu-se uma grande gozação.
- Olha o tamanho da pomba dele. – gritou um dos homens.
- Deve ser igual de japonês. . . – comentou outro gargalhando.
- Encolheu por que não usa, Ah, Ah, Ah. – zombou um terceiro.
As gargalhadas era geral, Gumercindo fez cara triste e sentiu-se mal, mesmo zombado tomou banho, mostrando seu corpo ridicularizado. A água lhe confortava e lhe fazia bem, seu corpo franzino, com uma barriga saliente para sustentar estava cansado, e necessitava comer.
Após o banho se vestiu com a mesma roupa, saiu no meio da zombaria, não sabia o que dizer ante a algazarra dos homens, então calou-se e procurou o que comer.
Chegou na cozinha e um sujeito gordo cara-de-ruim, vestido de branco o atendeu:
- O que tu quer?
- Eu quero comê. – respondeu submisso.
O homem olhou dos pés a cabeça de Gumercindo e continuou:
- Tu veio donde?
- Do Ceará.
- Ah, pensei que tu era Paraense, como eu, agora não é hora de comê não. Almoço já passou, espera a janta .
Durante a conversa um dos sujeitos que estavam no banho apareceu todo asseado, limpo, olhou com cara de deboche para Gumercindo e pediu:
- Ei Pará, prepara alguma coisa p’ra mim comê.
- Espera um pôquim ai Natal, que já faço. – respondeu o cozinheiro que negou comida para Gumercindo.
- Mas se ele vai comê, por que eu...
- Por que tu é cearense e ele é meu conterrâneo. P’ra tu só janta.- respondeu com meio-sorriso.
Gumercindo arregalou os olhos, observou o sujeito que ia comer, olhou o cozinheiro enquanto preparava alguma refeição sentiu o cheiro da fritura e subitamente perdeu a fome e nem o jantar quis.
Na manhã seguinte, Gumercindo acordou cedo, logo que o cozinheiro responsável pelo café acordou os trabalhadores. Teve uma noite confortável, suas costas estavam bem descansadas naquele colchão de espuma. Acostumado a dormir nas praças, a cama do alojamento era o melhor que lembrava ter.
Levantou-se com os outros, seguiu os passos do cozinheiro até a cozinha, onde havia um simples refeitório e lhe foi servido café e pão com manteiga. Seu estômago agradeceu, a fome voltou de forma terrível, deu vontade de comer outro pão, então foi pedir ao cozinheiro.
- Ei, me arruma outro pão.
- Acabou. – respondeu com ironia no tom da voz. – Agora só o almoço ao meio-dia.- continuou o cozinheiro com raiva.
Acostumado com a hostilidade das pessoas, Gumercindo não se importou com a crueldade do cozinheiro que se realmente quisesse ajudá-lo poderia lhe dar outro pão que havia sobrado e que não lhe faria falta. Porém mesmo não se importando com a reação do cozinheiro, seu estômago o torturava e queria mais comida. Sentia uma dor inconsolável como uma força que o consumia e houvesse uma onça ali dentro e começando a bramar:
- Ohaaaarrrr! Ohaaaarrrr.
- Era o barulho que ouvia e sentia, arregalou os olhos novamente, fez uma cara de assustado e pálido apoiou-se num pilar do refeitório, colocou uma das mãos sobre a barriga e tentou controlar a fera que tinha ali, faminta e selvagem.
- Ohaaaarrrr! Ohaaaarrrr... – Era o barulho no seu estômago, os trabalhadores ainda atentos com suas refeições não perceberam o suplício de Gumercindo, então ele ao observá-los, lembrou-se do dia anterior, da zombaria e entre uma risada ou outra, sentia a mesma sensação que teve ao ser zombado. Sensação que somada com a crueldade do cozinheiro ao recusar-lhe o almoço no dia anterior, acabou lhe tirando a fome, ficando sem almoço e jantar naquele dia.
Então decidiu que o único jeito de controlar a “onça” de dentro da sua barriga, era ser motivo de chacota. Caminhou com dificuldade até a mesa do refeitório e entre um passo e outro a “onça” bramia:
- Ohaaaarrrr, Ohaaaarrrr.
Ao encontrar com os homens pediu:
- Ei, fa-falem comigo daquele jeito.
- O quê? – Estranhou um dos sujeitos. Súbito porém um dos trabalhadores o zombou:
- Olha lá o cara da pombinha. AH, AH, AH.
A zombaria foi geral arrancando gargalhadas de todos, enquanto a onça ainda bramia:
- Ohaaaarrrr, Ohaaaarrrr...
- Deixando Gumercindo sem jeito e se requebrando a cada ataque da fera da fome. Porém com as gargalhadas e zombaria, a onça foi se acalmando e os urros eram mais leves, logo miava, até que desapareceu, então Gumercindo começou a rir com os debochado- res.
Algumas horas depois e Gumercindo já estava na construção da mansão, o contratante explicou-lhe o serviço, recém-contratado, não conhecia ninguém. Os mais aproveitadores o escalavam para o serviço mais pesado.
O contratante o deixou ajudando o pedreiros e saiu, eram três sujeitos estranhos cearenses como Gumercindo, quando o receberam lhe impuseram as ordens:
- Tu pega o cimento e faz massa para nós três, vamos levantar essa parede ainda hoje. – disse apontando para um alicerce que pela altura apontada, teria ao menos três metros.
Fazendo o que ordenaram, Gumercindo pegou o pesado saco de cimento e começou a fazer massa para assentar os tijolos.
- Qual é o teu nome? – indagou o pedreiro.
- Gumercindo. – respondeu com os olhos arregalados.
- Então Gumercindo, aqui não pode faltar massa, mesmo que tu for fazer outro serviço, não pode deixar faltar, para nós trabalhar tá ouvindo. – Explicou o pedreiro com uma voz de autoridade. Gumercindo gostou daquele tom de voz e com um sinal de cabeça concordou e compreendeu a tarefa que tinha, logo começou a abastecer os três pedreiros com a massa, explicaram-lhe como devia fazê-la para ser melhor utilizada, e ele fazia como disseram.
Rápido e com muita energia, Gumercindo dava conta do serviço, logo os aproveitadores começavam a agir e seu nome era ouvido na obra inteira:
- Gumercindo, pega uns quatro tijolos p’ra mim. – E lá ia fazer o que pediam, então outro espertalhão ao ouvir o pedido, fazia o mesmo para zomba-lo e vê-lo obedecer:
- Gumercindo, pega uns dois sacos de cimento para mim.
- Ei Gumercindo, está acabando a massa. – Gritou um dos três pedreiros que ele servia.
- Já estou indo. – respondeu atarefado nos inúmeros pedidos.
Então seu nome começou a se tornar palavra obrigatória na boca dos trabalhadores.
Aos poucos, até os serventes lhe davam ordens enquanto descansavam zombando e Gumercindo ingênuo e dinâmico, fazia o que pediam sem reclamar:
- Ei Gumercindo faz aquilo que te pedi.
- Gumercindo, vai logo.
- Gumercindo, Gumercindo...
Quando o contratante chegou, um silêncio seguiu, então indagou:
- O que está acontecendo aqui? Virou feira? – bradou o homem que até então parecia ser calmo, para Gumercindo.
- Gumercindo, o que está acontecendo?
Derramando suor pelo rosto inteiro, arregalou os olhos e respondeu:

- Tô trabalhano .
- Estou vendo, e trabalhando até demais. – continuou o contratante olhando para os demais.
- Não quero saber de patifaria aqui.- continuou. – Cada qual que faça o seu serviço. O Gumercindo faz o dele e vocês o deixem trabalhar.
Os trabalhadores em silêncio e envergonhados, disfarçavam e aos poucos voltavam ao trabalho. Gumercindo continuou a ajudar os três pedreiros e assim foi até a hora do almoço.

domingo, 17 de agosto de 2008

Romance de RICARDO CUNHA - GUMERCINDO: MANDINGA, PÉ-DE-PATO E QUIPROQUÓS CAPITULO VI


Ainda engasgado, tossia, engolindo poeira a cada tosse, com os olhos cheio de lágrimas, viu ao longe o pau-de-arara partir e o deixar no meio da estrada, num lugar onde desconhecia, ralou os braços e doía sua perna esquerda, começou a caminhar, a caminhar e após dois dias e uma noite caminhando, pedindo e sofrendo, chegou a São Paulo.

* *
A cidade se apresentava para Gumercindo, quando aos passos adentrava naquela monstruosa São Paulo. Sentiu um calafrio e uma enorme vontade de voltar para o norte, ainda não acreditava que conseguira chegar.
Sofreu muito durante a caminhada, sua sorte é que mesmo sendo despejado durante a viagem, o pau-de-arara lhe poupou inúmeros quilômetros. Ainda pensava no fato e ingênuo, sentia que seria fácil encontrar o contratante naquela enorme cidade.
Caminhou pelos edifícios os observando até o alto, estranhava as antenas que ficavam em cima, as janelas refletiam o céu e alguns sujeitos se equilibravam feito crianças chamando sua atenção. O barulho dos carros e gritos dos camelôs, assustavam-no assim como a indiferença com sua presença horrorizante; estava sujo, com sapatos furados e rasgados, sua barba cresceu durante a viagem, assim como seu cabelo que nunca fora penteado. Seu banho ou perfume fedia muito, era um mendigo naquelas avenidas que mesclavam pobreza escondida com riqueza ostentada.
A garoa caía e lhe fazia cócegas, adorou aquilo, olhou para o céu, depois fechou os olhos e deixou as gotas massagearem sua face.
Andando aproximou-se do rio Tietê, famoso por sua poluição, Gumercindo por sua vez identificou-se com o mau-cheiro, sentou-se as margens e descansou.
Continuou a caminhar pela cidade se encantando com o que via. Teve medo do atravessar as avenidas com seu trânsito rápido, cheio de carros apressados e motoristas irritados, observava as lojas cheias de presentes coloridos, com pessoas bonitas, ricas, que não o percebiam e quando o perceberam o olharam com repúdio, o que de certa forma o confortou, acostumado com essa forma de tratamento, sentia-se melhor ser tratado dessa maneira a não ser tratado de forma alguma.
Colou o rosto numa vidraça e assustou os vendedores, um segurança hostil veio em sua direção e com palavras que Gumercindo não entendia, exigiu que se retirasse dali.
Então saiu, mais assustado com a cara do segurança do que com suas palavras, perambulou pelas ruas antigas, viu casas velhas, postes de ferro com luminárias esquecidas, observava alguns cartazes estranhos com fotos de pessoas tristes amargura- das, como se aqueles cartazes fossem prisões e estivessem sendo obrigadas a mostrar seus rostos para todos que por ali passavam.
Gumercindo não sabia ler as palavras dos cartazes, mas sentia que o objetivo destes eram encontrar aquelas pessoas por que eram queridas ou odiadas.
Deixou os cartazes e continuou pela cidade com fome, pediu comida para um ambulante que vendia um cheiroso cachorro-quente. O vendedor o esnobou, então faminto, pediu para os clientes que o ignoravam tanto quanto o ambulante.
Uma das clientes porém, perdeu a fome com o fedor de Gumercindo, metida a rica e acostumada a coisas melhores como sua presença denunciava, a mulher pegou seu cachorro-quente faltando duas mordidas dadas por ela e o entregou à Gumercindo que mesmo feliz não agradeceu, nem sorriu e saiu devorando o lanche.
- Mal educado – resmungou a mulher com cara de azia, em seguida limpou as mãos e continuou seus afazeres.
Gumercindo sentia-se melhor após comer, sentou-se numa praça, observou os mendigos bêbados que dormiam, os achou preguiçosos dormirem durante o dia, pensava não ser boa coisa.
Encantado com a cidade, já se sentia como parte dela, era uma cidade que tinha muita riqueza realmente como diziam, acreditava que ali viveria bem e não teria dificuldades para comer.
Pensou em procurar o contratante, sem saber o nome do homem, enfim percebeu a dificuldade que seria, por um instante sentiu-se sozinho, levantou-se e voltou a caminhar sem rumo, suas pernas e pés doíam e mal suportava caminhar.
Parou num semáforo, achou bonito o desenho do homenzinho no farol vermelho, quando este tornou-se verde, espantou-se e logo os carros pararam para que os pedestres passassem e se preparou
para deixar a calçada quando ouviu uma voz lhe chamar bem alto:
- Ei Gumercindo!
Estranhou alguém lhe conhecer ali, procurou pela voz e observou aquele homem com bigode enorme, arfando, correndo em sua direção fazendo um enorme barulho com seu relógio de alumínio e pulseira frouxa. Seu rosto era conhecido para Gumercindo, mesmo numa cidade enorme e com possibilidades ínfimas de encontrar alguém conhecida, eis que se encontraram, era o contratante.
- Ufa, que bom, te encontrei! – sussurrou o homem cansado com a corrida.
- Eu tava te procurando. – comentou Gumercindo.
- Fiquei sabendo o que houve no pau-de-arara... Fi dumas éguas, aqueles caboclo que te jogaram na estrada, mas sabia que ia te encontrar pelas praças principais da cidade.
- Sabia? Como?
- É por onde a maioria do povo que vem do norte fica, não tá vendo esses mendigos? São em sua maioria Nordestinos que vieram e ainda não arrumaram emprego.
- E por que não arruma emprego para eles?
- Por que são vagabundos e cachaceiros.
O sinal mudou novamente e os carros voltaram a circular, Gumercindo voltou para a calçada e ficou feliz por encontrar o contratante, e mesmo cansado, perguntou sobre o trabalho:
- Começo a trabalhar hoje?
- Não, hoje tu descansa, mas amanhã mesmo tu já pega no batente. – respondeu o contratante e continuou: - Vamô simbora home, vou te levá para o alojamento e te dar o que comê, pelo jeito está com fome, já que me disseram tê-lo deixado longe daqui, tu veio a pé?
- Vim.
- Eu imaginei, levou uns dois dias?
- Acho que foi.
- Eh, Eh, caminhô hein home, mas agora tu está em São Paulo, e vai Ter aonde morar e o que comer, e vai trabalhar feliz.
O contratante cativava Gumercindo que já se sentia melhor com sua presença, então o acompanhou até um carro velho, onde o contratante o levaria ao alojamento. Durante o trajeto aproveitou para observar a cidade, novamente quieto e comportado, não falava e nem fazia perguntas, apenas observava as praças e jardins, achava tudo bonito, fabuloso, como uma das coisas mais lindas que já viu.
Adorava também o conforto do carro, sentia-se como se estivesse flutuando, era muito macio o banco, muito diferente do assoalho do pau-de-arara.

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

domingo, 10 de agosto de 2008

GUMERCINDO: MANDINGA, PÉ-DE-PATO E QUIPROQUÓS - Romance de RICARDO CUNHA CAPÍTULO V


A viagem levaria três dias e três noites, Gumercindo jamais havia viajado numa distância dessas e nas primeiras horas de viagem sentiu desconforto nas costas, levantou-se, porém caiu no assoalho do pau-de-arara arrancando risos dos outros passageiros.
Ergueu-se novamente, mas decidiu se sentar na tábua do assoalho, onde sentiu conforto. O caminhão do pau-de-arara era forrado por uma lona cheia de remendos com costuras malfeitas que resistiam à chuva, mas esta era algo incomun por onde passava, a lona era segura por dois pilares de cada lado e um caibro de madeira que varava de fora-a-fora a carroceria do veículo, para os passageiros havia algumas ripas pregadas acima do assoalho, onde podiam se sentarem com maior proteção contra os solavancos. Gumercindo preferiu o assoalho pois podia descansar as pernas sem precisar dobrá-las.
Na cabina viajavam o motorista mais um ajudante, cuja principal obrigação era conversar para que o sono ou tédio não tirasse a atenção do condutor.
Para Gumercindo e os outros passageiros, a estrada era pouco visível, tinha que esticar o pescoço e erguer parte da lona que cobria a entrada-saída do pau-de-arara.
Gumercindo curioso, exercitou-se para ver as paisagens, se ergueu próximo a entrada-saída enroscou a cabeça onde podia ver sem incomodar os outros passageiros com sol ou poeira, então conseguiu uma brecha com vista para fora.
Estava satisfeito com o que via; cabras, montanhas, crianças acenando, nem a poeira da passagem incomodava seus olhos.
O sol clareava as poucas árvores próximo à estrada trazendo uma linda cor nas folhas. Gumercindo prestava atenção nas plantas secas que por falta de água perderam a vida, havia os barracos das vilas por onde passavam, com pessoas tristes, velhas e acabadas. Gumercindo se perguntou por que não faziam como ele tentar a sorte num lugar melhor ao invés de ficar ali sofrendo sem água, sem comida, a vida inteira. Mesmo sabendo que havia uma cidade onde teriam o que precisassem.
Achava estranho, mas imaginou que tivessem medo, ou não tinham dinheiro para pagar o pau-de-arara e ninguém apareceu para ajudá-los, ou talvez gostassem daquela vida e estavam satisfeitos ou conformados com a própria desgraça.
*

No primeiro dia de viagem, Gumercindo observava as paisagens sem piscar, na hora do almoço sem dinheiro e sem comida, pediu um pedaço de tapioca e um gole d’água para um dos passageiros, o sujeito aparentemente com quarenta anos de idade e com muitas rugas ao lado da barba rala, fez cara de mau-gosto, mas compreendeu a situação do pedinte e deu-lhe o que pediu.
A tapioca, um alimento feito à base de polvilho e coco, reunia nutrientes para aqueles homens de vida difícil. Nas suas raras refeições, nada melhor do que utilizar a riqueza dos alimentos que conseguiam.
Para acompanhar tomavam caldo-de-cana; a garapa, o açúcar fortalecia e dava ânimo, então muitos além de bebe-lo o usava para fazer guloseimas, entre as mais conhecidas preferiam a rapadura, e era carregada pelos retirantes, com pouca quantidade apanharam uma barra enorme e a dividiram, fazendo a festa dos pequenos e dos grandes, incluindo Gumercindo que novamente pediu um pedaço.
Dessa vez o dono da rapadura dividiu sem pestanejar, com cara de homem bom, sentou-se com sua mochila ao lado de seus três filhos e a mulher abriu um guardanapo, esticou e serviu a quem se interessava.
O caminhão não esperava muito tempo para as refeições, cada um sabia disso, era apenas tempo de comer, descer, se aliviar e se sentar novamente para prosseguir a viagem.
Gumercindo sentia-se feliz por conhecer pessoas novas, tentou dialogar com o homem bom que dividiu a rapadura, este não pôde dar-lhe atenção pois seu filho menor se assustou com sua presença e chorou, eis que o homem solidário o acolheu no braço e o acalmou.
Então Gumercindo voltou para sua brecha no fundo do caminhão, e ficou olhando as paisagens, até anoitecer.
Não pensou sequer em como seria sua nova vida em São Paulo com o contratante. Seu trabalho de peão de obra era um serviço comum, porém Gumercindo mal sabia como era o dia de trabalho desse trabalhador.
Ele que sempre deixou se levar pelos impulsos, comia quando pedia ou ganhava algum trocado, ou o que podia e lhe davam, esta era uma grande aventura. Estava surpreso naquele momento com a beleza das paisagens, cortavam o sertão e já deixavam aquela miséria para trás, os homens nos barracos já eram escassos, via apenas árvores e cerrado enquanto escurecia e começou a ver muitas estrelas no céu, então cochilou próximo a brecha.
Nos outros dias de viagem, o ânimo de Gumercindo já não era o mesmo; exausto e com o corpo doendo se aborrecia com as paisagens ou quando algum outro passageiro o olhava com cara feia.
Na hora das refeições seguia o mesmo ritual de pedir para comer, ás vezes de forma amistosa, dessa vez não se importou com sua ação. Um passageiro abriu a marmita com escassos pedaços de tapioca que mal davam até o fim da viagem, esfomeado, Gumercindo se aproximou e apanhou um grande pedaço, eis que o homem irritou-se:
- Que tu tá pensando?
Gumercindo o olhou com a boca cheia de polvilho e nada respondeu, o homem continuou:
- Tu é folgado, serrou minha comida a viagem toda e ainda por cima meteu a mão sem pedir autorização.
- Este sujeito é folgado, precisa de uma lição. – comentou outro passageiro, também aborrecido com a investida de Gumercindo.
- Não sou folgado, tô com fome, só isso.- respondeu com tom ingênuo, mas para aqueles homens acostumados com rixas e maldade, soou como atrevimento.
Então o dono da marmita levantou-se irado, deixando o resto da tapioca no assoalho do pau-de-arara, agarrou Gumercindo que ainda comia o pedaço furtado e se engasgou, o outro passageiro, cúmplice no aborrecimento, apoiou o ato e então juntos esbofetearam Gumercindo e aos olhares covardes dos outros retirantes o jogaram para fora do pau-de-arara, se aprofundando com a queda na poeira da estrada.
O motorista não percebeu e continuou a viagem, Gumercindo se machucou com o tombo e assustado tentava compreender como aconteceu o fato.

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

sábado, 2 de agosto de 2008

GUMERCINDO: MANDINGA, PÉ-DE-PATO E QUIPROQUÓS - ROMANCE DE RICARDO CUNHA - CAPÍTULO IV

A viagem levaria três dias e três noites, Gumercindo jamais havia viajado numa distância dessas e nas primeiras horas de viagem sentiu desconforto nas costas, levantou-se, porém caiu no assoalho do pau-de-arara arrancando risos dos outros passageiros.
Ergueu-se novamente, mas decidiu se sentar na tábua do assoalho, onde sentiu conforto. O caminhão do pau-de-arara era forrado por uma lona cheia de remendos com costuras malfeitas que resistiam à chuva, mas esta era algo incomun por onde passava, a lona era segura por dois pilares de cada lado e um caibro de madeira que varava de fora-a-fora a carroceria do veículo, para os passageiros havia algumas ripas pregadas acima do assoalho, onde podiam se sentarem com maior proteção contra os solavancos. Gumercindo preferiu o assoalho pois podia descansar as pernas sem precisar dobrá-las.
Na cabina viajavam o motorista mais um ajudante, cuja principal obrigação era conversar para que o sono ou tédio não tirasse a atenção do condutor.
Para Gumercindo e os outros passageiros, a estrada era pouco visível, tinha que esticar o pescoço e erguer parte da lona que cobria a entrada-saída do pau-de-arara.
Gumercindo curioso, exercitou-se para ver as paisagens, se ergueu próximo a entrada-saída enroscou a cabeça onde podia ver sem incomodar os outros passageiros com sol ou poeira, então conseguiu uma brecha com vista para fora.
Estava satisfeito com o que via; cabras, montanhas, crianças acenando, nem a poeira da passagem incomodava seus olhos.
O sol clareava as poucas árvores próximo à estrada trazendo uma linda cor nas folhas. Gumercindo prestava atenção nas plantas secas que por falta de água perderam a vida, havia os barracos das vilas por onde passavam, com pessoas tristes, velhas e acabadas. Gumercindo se perguntou por que não faziam como ele tentar a sorte num lugar melhor ao invés de ficar ali sofrendo sem água, sem comida, a vida inteira. Mesmo sabendo que havia uma cidade onde teriam o que precisassem.
Achava estranho, mas imaginou que tivessem medo, ou não tinham dinheiro para pagar o pau-de-arara e ninguém apareceu para ajudá-los, ou talvez gostassem daquela vida e estavam satisfeitos ou conformados com a própria desgraça.

No primeiro dia de viagem, Gumercindo observava as paisagens sem piscar, na hora do almoço sem dinheiro e sem comida, pediu um pedaço de tapioca e um gole d’água para um dos passageiros, o sujeito aparentemente com quarenta anos de idade e com muitas rugas ao lado da barba rala, fez cara de mau-gosto, mas compreendeu a situação do pedinte e deu-lhe o que pediu.
A tapioca, um alimento feito à base de polvilho e coco, reunia nutrientes para aqueles homens de vida difícil. Nas suas raras refeições, nada melhor do que utilizar a riqueza dos alimentos que conseguiam.
Para acompanhar tomavam caldo-de-cana; a garapa, o açúcar fortalecia e dava ânimo, então muitos além de bebe-lo o usava para fazer guloseimas, entre as mais conhecidas preferiam a rapadura, e era carregada pelos retirantes, com pouca quantidade apanharam uma barra enorme e a dividiram, fazendo a festa dos pequenos e dos grandes, incluindo Gumercindo que novamente pediu um pedaço.
Dessa vez o dono da rapadura dividiu sem pestanejar, com cara de homem bom, sentou-se com sua mochila ao lado de seus três filhos e a mulher abriu um guardanapo, esticou e serviu a quem se interessava.
O caminhão não esperava muito tempo para as refeições, cada um sabia disso, era apenas tempo de comer, descer, se aliviar e se sentar novamente para prosseguir a viagem.
Gumercindo sentia-se feliz por conhecer pessoas novas, tentou dialogar com o homem bom que dividiu a rapadura, este não pôde dar-lhe atenção pois seu filho menor se assustou com sua presença e chorou, eis que o homem solidário o acolheu no braço e o acalmou.
Então Gumercindo voltou para sua brecha no fundo do caminhão, e ficou olhando as paisagens, até anoitecer.
Não pensou sequer em como seria sua nova vida em São Paulo com o contratante. Seu trabalho de peão de obra era um serviço comum, porém Gumercindo mal sabia como era o dia de trabalho desse trabalhador.
Ele que sempre deixou se levar pelos impulsos, comia quando pedia ou ganhava algum trocado, ou o que podia e lhe davam, esta era uma grande aventura. Estava surpreso naquele momento com a beleza das paisagens, cortavam o sertão e já deixavam aquela miséria para trás, os homens nos barracos já eram escassos, via apenas árvores e cerrado enquanto escurecia e começou a ver muitas estrelas no céu, então cochilou próximo a brecha.
Nos outros dias de viagem, o ânimo de Gumercindo já não era o mesmo; exausto e com o corpo doendo se aborrecia com as paisagens ou quando algum outro passageiro o olhava com cara feia.
Na hora das refeições seguia o mesmo ritual de pedir para comer, ás vezes de forma amistosa, dessa vez não se importou com sua ação. Um passageiro abriu a marmita com escassos pedaços de tapioca que mal davam até o fim da viagem, esfomeado, Gumercindo se aproximou e apanhou um grande pedaço, eis que o homem irritou-se:
- Que tu tá pensando?
Gumercindo o olhou com a boca cheia de polvilho e nada respondeu, o homem continuou:
- Tu é folgado, serrou minha comida a viagem toda e ainda por cima meteu a mão sem pedir autorização.
- Este sujeito é folgado, precisa de uma lição. – comentou outro passageiro, também aborrecido com a investida de Gumercindo.
- Não sou folgado, tô com fome, só isso.- respondeu com tom ingênuo, mas para aqueles homens acostumados com rixas e maldade, soou como atrevimento.
Então o dono da marmita levantou-se irado, deixando o resto da tapioca no assoalho do pau-de-arara, agarrou Gumercindo que ainda comia o pedaço furtado e se engasgou, o outro passageiro, cúmplice no aborrecimento, apoiou o ato e então juntos esbofetearam Gumercindo e aos olhares covardes dos outros retirantes o jogaram para fora do pau-de-arara, se aprofundando com a queda na poeira da estrada.
O motorista não percebeu e continuou a viagem, Gumercindo se machucou com o tombo e assustado tentava compreender como aconteceu o fato.
Ainda engasgado, tossia, engolindo poeira a cada tosse, com os olhos cheio de lágrimas, viu ao longe o pau-de-arara partir e o deixar no meio da estrada, num lugar onde desconhecia, ralou os braços e doía sua perna esquerda, começou a caminhar, a caminhar e após dois dias e uma noite caminhando, pedindo e sofrendo, chegou a São Paulo.

quinta-feira, 31 de julho de 2008

sábado, 26 de julho de 2008

GUMERCINDO: MANDINGA, PÉ-DE-PATO E QUIPROQUÓS - ROMANCE DE RICARDO CUNHA - CAPÍTULO III


Dormiu embaixo de marquises, em praças, igrejas, lojas fecha- das, lojas abertas onde era expulso aos chutes dos seguranças, museus, escadarias de todos os tipos, estátuas de vultos, estátuas de anônimos, esculturas de arte moderna, jardins, viadutos, pontes não acabadas, casas de caridade, ferro-velho onde foi mordido por um cão, clube de campo, campo de futebol de várzea, campo de futebol de salão, campo de futebol de botão jogado no lixo, campo da favela onde ganhou seu nome:
- Ei Gumercindo...- gritou um dos jogadores da pelada no campo;
- Pega a bola p’ra gente. – pediu com tom autoritário na voz.
O menino que descansava num canto próximo de onde a bola parou, ficou sem entender o recado, nunca ninguém o chamou por um nome, pensou que não fosse com ele.
- Do-do que me chamou? – indagou emocionado, gaguejando em sussurro.
- De Gumercindo. – respondeu o homem o apressando com sinais
Para que pegasse a bola.
Ainda intacto, o menino continuou:
- Mas por que Gumercindo?
- Sei lá, podia te chamar de Jão, Pedro, Paulo, Ferdinando, Astrogildo, Egídio, Belchior, mas te chamei de Gumercindo já que não sei qual é teu nome.
O menino ficou espantado, uma sensação incomodava seu peito, o homem bravo com seu silêncio o xingou e foi apanhar a bola.
- Deixa que eu pego. – retrucou o menino que correu, pegou a bola e chutou, sem talento para o esporte, a bola de capotão foi numa direção contrária, quicou na rua, quebrou a janela de uma casa, derrubou um vaso de flor, que espatifou e em seguida a bola rolou em frente à um carro que a atropelou, acabando com a alegria da pelada.
- Seu fila-da-puta , pé-torto dos inferno, o que tu fez? –Xingou o homem que pediu a bola.
- Fila da puta não, tenho nome: Gumercindo.- respondeu para o homem bravo, deixando irritados os jogadores da pelada, alguns pensaram em bater no menino, que feliz com seu nome, caminhou rumo à cidade sorrindo.

* *

Nos dez anos seguintes após seu batismo inusitado, Gumercindo ganhou trocados com esmolas, trabalhou cuidando de carros caros, vendeu bugigangas para aproveitadores, mas continuava morando na rua, não fazia amizades, apenas contatos com outras pessoas, era comum ser roubado por ladrões e moleques-de-rua e apanhar da polícia e de exploradores.
Ainda não possuía documentos e não sabia ser necessário tê-los,
Não sabia ler, mas sabia falar e se comunicando descobriu que havia transporte para São Paulo, e ouviu que esta cidade era grande, rica, onde as oportunidades de comer e viver melhor eram maiores, diziam coisas maravilhosas sobre São Paulo; que havia pessoas de todos os tipos: Ricas, felizes, pessoas amáveis e bonitas. Nas ruas à noite, muitas luzes reluziam e tinha comida farta, soube que trabalhando naquela cidade, ganhava-se muito dinheiro, até para roubar era bom. Coisa que Gumercindo desprezava, já havia sido roubado muitas vezes e odiava o ato e as pessoas que o cometiam, não queriam jamais sentir-se como um deles.
As histórias e estórias sobre São Paulo alegravam Gumercindo então procurou um dos fretes de pau-de-arara da cidade para saber como podia ir.
Não foi difícil encontrar o transporte, o avistou próximo de uma praça ajuntando pessoas para a aventura.
Aproximou-se, observou o caminhão que aos poucos enchia de gente disposta., pessoas que como ele sentiram a emoção da cidade grande, os encantos e a beleza espalhada por quem a conhecia. O motorista contava algum dinheiro e incentivava os passageiros, Gumercindo não chamou sua atenção, então a roubou:
- Ei home ... o que preciso para ir p’ra São Paulo?
O homem atarefado, olhou para Gumercindo mal-trajado e sujo e se incomodou, então rude respondeu:
- Precisa de dinheiro, coisa que tu não tem.
- Mas eu tenho. – Bradou um sujeito estranho, meio gordo, alto, aparência diferente dos habitantes da cidade, com roupas simples mas bem tratada, impunha respeito onde estava, seu bigode era enorme, cuja pelugem invadia seu nariz emporcalhando sua figura, no pulso um relógio prateado com pulseiras de alumínio demonstrava que o homem já havia visitado a cidade grande muitas vezes e seu ar de familiarizado com aquele ambiente levava a crer que tinha muitas posses e consumia os produtos encantadores de lá.
Gumercindo olhou para o homem, esperou uma nova reação e ele o fez:
- Estou precisando de peão na obra que tenho em São Paulo, tu quer trabalhar para mim? É trabalho duro, mas te levo de graça e lá te dou moradia e comida.
Gumercindo ficou impressionado com a proposta, nunca havia sido tratado daquela maneira, sentiu-se importante para o homem, seu coração disparou e sentiu a alegre oportunidade de poder viajar.
O motorista encabulado com a atitude do homem da proposta, permaneceu calado, esperando o desfecho, estava certo quanto aos recursos de Gumercindo, que naquele dia não havia ganho nada e as poucas moedas que tinha, eram suficientes apenas para um pingado na hora do almoço.
- É claro que quero. – respondeu Gumercindo liberando um sorriso que abrandou sua aparência pavorosa.
- Então vamos, tu não tem bagagem? – indagou o homem da proposta.
- Não sinhô, apenas a rôpa que visto.
O homem da proposta não se importou com a indigência de Gumercindo, acertou o valor do frete com o motorista e despediu-se:
- A gente se encontra lá.
- Ué o sinhô não vai comigo?
- Não eu vou de ônibus.
- Mas como eu te acho lá?
- Eu sei onde é o ponto final do frete, fica trânquilo, eu chego primeiro que tu e quando chegar eu te espero no ponto.
- Tá bom.
Então o homem da proposta se afastou e seguiu seu caminho, Gumercindo subiu no pau-de-arara, aconchegou-se num banco duro, cumprimentou os passageiros que o ignoraram, o motorista fez os acertos finais e partiu rumo à cidade grande.