domingo, 17 de agosto de 2008

Romance de RICARDO CUNHA - GUMERCINDO: MANDINGA, PÉ-DE-PATO E QUIPROQUÓS CAPITULO VI


Ainda engasgado, tossia, engolindo poeira a cada tosse, com os olhos cheio de lágrimas, viu ao longe o pau-de-arara partir e o deixar no meio da estrada, num lugar onde desconhecia, ralou os braços e doía sua perna esquerda, começou a caminhar, a caminhar e após dois dias e uma noite caminhando, pedindo e sofrendo, chegou a São Paulo.

* *
A cidade se apresentava para Gumercindo, quando aos passos adentrava naquela monstruosa São Paulo. Sentiu um calafrio e uma enorme vontade de voltar para o norte, ainda não acreditava que conseguira chegar.
Sofreu muito durante a caminhada, sua sorte é que mesmo sendo despejado durante a viagem, o pau-de-arara lhe poupou inúmeros quilômetros. Ainda pensava no fato e ingênuo, sentia que seria fácil encontrar o contratante naquela enorme cidade.
Caminhou pelos edifícios os observando até o alto, estranhava as antenas que ficavam em cima, as janelas refletiam o céu e alguns sujeitos se equilibravam feito crianças chamando sua atenção. O barulho dos carros e gritos dos camelôs, assustavam-no assim como a indiferença com sua presença horrorizante; estava sujo, com sapatos furados e rasgados, sua barba cresceu durante a viagem, assim como seu cabelo que nunca fora penteado. Seu banho ou perfume fedia muito, era um mendigo naquelas avenidas que mesclavam pobreza escondida com riqueza ostentada.
A garoa caía e lhe fazia cócegas, adorou aquilo, olhou para o céu, depois fechou os olhos e deixou as gotas massagearem sua face.
Andando aproximou-se do rio Tietê, famoso por sua poluição, Gumercindo por sua vez identificou-se com o mau-cheiro, sentou-se as margens e descansou.
Continuou a caminhar pela cidade se encantando com o que via. Teve medo do atravessar as avenidas com seu trânsito rápido, cheio de carros apressados e motoristas irritados, observava as lojas cheias de presentes coloridos, com pessoas bonitas, ricas, que não o percebiam e quando o perceberam o olharam com repúdio, o que de certa forma o confortou, acostumado com essa forma de tratamento, sentia-se melhor ser tratado dessa maneira a não ser tratado de forma alguma.
Colou o rosto numa vidraça e assustou os vendedores, um segurança hostil veio em sua direção e com palavras que Gumercindo não entendia, exigiu que se retirasse dali.
Então saiu, mais assustado com a cara do segurança do que com suas palavras, perambulou pelas ruas antigas, viu casas velhas, postes de ferro com luminárias esquecidas, observava alguns cartazes estranhos com fotos de pessoas tristes amargura- das, como se aqueles cartazes fossem prisões e estivessem sendo obrigadas a mostrar seus rostos para todos que por ali passavam.
Gumercindo não sabia ler as palavras dos cartazes, mas sentia que o objetivo destes eram encontrar aquelas pessoas por que eram queridas ou odiadas.
Deixou os cartazes e continuou pela cidade com fome, pediu comida para um ambulante que vendia um cheiroso cachorro-quente. O vendedor o esnobou, então faminto, pediu para os clientes que o ignoravam tanto quanto o ambulante.
Uma das clientes porém, perdeu a fome com o fedor de Gumercindo, metida a rica e acostumada a coisas melhores como sua presença denunciava, a mulher pegou seu cachorro-quente faltando duas mordidas dadas por ela e o entregou à Gumercindo que mesmo feliz não agradeceu, nem sorriu e saiu devorando o lanche.
- Mal educado – resmungou a mulher com cara de azia, em seguida limpou as mãos e continuou seus afazeres.
Gumercindo sentia-se melhor após comer, sentou-se numa praça, observou os mendigos bêbados que dormiam, os achou preguiçosos dormirem durante o dia, pensava não ser boa coisa.
Encantado com a cidade, já se sentia como parte dela, era uma cidade que tinha muita riqueza realmente como diziam, acreditava que ali viveria bem e não teria dificuldades para comer.
Pensou em procurar o contratante, sem saber o nome do homem, enfim percebeu a dificuldade que seria, por um instante sentiu-se sozinho, levantou-se e voltou a caminhar sem rumo, suas pernas e pés doíam e mal suportava caminhar.
Parou num semáforo, achou bonito o desenho do homenzinho no farol vermelho, quando este tornou-se verde, espantou-se e logo os carros pararam para que os pedestres passassem e se preparou
para deixar a calçada quando ouviu uma voz lhe chamar bem alto:
- Ei Gumercindo!
Estranhou alguém lhe conhecer ali, procurou pela voz e observou aquele homem com bigode enorme, arfando, correndo em sua direção fazendo um enorme barulho com seu relógio de alumínio e pulseira frouxa. Seu rosto era conhecido para Gumercindo, mesmo numa cidade enorme e com possibilidades ínfimas de encontrar alguém conhecida, eis que se encontraram, era o contratante.
- Ufa, que bom, te encontrei! – sussurrou o homem cansado com a corrida.
- Eu tava te procurando. – comentou Gumercindo.
- Fiquei sabendo o que houve no pau-de-arara... Fi dumas éguas, aqueles caboclo que te jogaram na estrada, mas sabia que ia te encontrar pelas praças principais da cidade.
- Sabia? Como?
- É por onde a maioria do povo que vem do norte fica, não tá vendo esses mendigos? São em sua maioria Nordestinos que vieram e ainda não arrumaram emprego.
- E por que não arruma emprego para eles?
- Por que são vagabundos e cachaceiros.
O sinal mudou novamente e os carros voltaram a circular, Gumercindo voltou para a calçada e ficou feliz por encontrar o contratante, e mesmo cansado, perguntou sobre o trabalho:
- Começo a trabalhar hoje?
- Não, hoje tu descansa, mas amanhã mesmo tu já pega no batente. – respondeu o contratante e continuou: - Vamô simbora home, vou te levá para o alojamento e te dar o que comê, pelo jeito está com fome, já que me disseram tê-lo deixado longe daqui, tu veio a pé?
- Vim.
- Eu imaginei, levou uns dois dias?
- Acho que foi.
- Eh, Eh, caminhô hein home, mas agora tu está em São Paulo, e vai Ter aonde morar e o que comer, e vai trabalhar feliz.
O contratante cativava Gumercindo que já se sentia melhor com sua presença, então o acompanhou até um carro velho, onde o contratante o levaria ao alojamento. Durante o trajeto aproveitou para observar a cidade, novamente quieto e comportado, não falava e nem fazia perguntas, apenas observava as praças e jardins, achava tudo bonito, fabuloso, como uma das coisas mais lindas que já viu.
Adorava também o conforto do carro, sentia-se como se estivesse flutuando, era muito macio o banco, muito diferente do assoalho do pau-de-arara.

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