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PETTER BAIESTORF
ENTREVISTA :
PETTER BAIESTORF
CINEASTA, ESCRITOR, EDITOR, ATOR E MÚSICO. A lenda do Cinema e do underground trocou uma idéia comigo, onde explana um pouco do seu pensamento, fala sobre seus projetos, e deixa claro seus pontos de vista culturais e artísticos. Baiestorf definitivamente é um artista completo.
29 de Março de 2019. Por RICARDO CUNHA
- Você já deixou cravado seu
nome no cinema brasileiro, principalmente no gênero de Horror, como você
vê esse gênero atualmente no mercado do país?
Depois de 2013 o cinema de horror
brasileiro ganhou espaço, talvez porque os produtores de cinema finalmente
descobriram que não é um gênero “menor” entre o público. Desde os anos de 1990
tentávamos criar um nicho de horror/sci-fi/transgressão de maneira independente
– ainda continuamos na verdade, já que o público que nos interessa é do
underground das artes e não dos shoppings , então tenho achado muito bacana que
alguns diretores de horror nacional estejam chegando nessas salas comerciais.
Eu acompanho meio de longe este cinema mais comercial, já que meu real
interesse está na produção de SOVs brasileiros e no underground como um todo.
- Na sua visão qual a
diferença do terror fantasioso, com monstros, zumbis e o terror realista,
do fascismo, nazismo e dos opressores da sociedade e política em geral?
Eu costumo misturar tudo, por
isso tenho filmes eróticos que são políticos e, ainda, goremovies. Sabe, não
curto muito de rótulos, que são uma maneira de catalogar a produção e fazer com
que o espectador fique confortável sem ariscar gêneros novos. Não me considero
um artista do horror, minha produção é muito mais experimental do que de
horror, por exemplo. Atualmente escrevi e dirigi uma série de curtas políticos,
porque do jeito que está a coisa toda no Brasil o cara que tem as ferramentas
se sente na obrigação de produzir filmes que causem discussão, pelo menos. Foi
assim que fiz o “Ándale!” (2017), que é um curta anarquista sobre a violência
do Estado. Este curta é uma produção bem pequena, mas ganhou alguns prêmios de
melhor curta experimental por festivais brasileiros e ganhou exibição em vários
festivais de cinema espalhados pelo mundo. Depois, em 2018, produzi, em
parceria com Loures Jahnke e a Nação Kaingang o curta “A História Kaingang por
Eles Mesmos”, onde contamos um pouco da história da Terra Indígena Guarita.
Este curta foi produzido com o apoio do Cacique Carlinhos Alfaiate e o
Professor Zaqueu. É uma produção independente, Loures e eu bancamos a produção
e depois de pronto presenteamos os Kaingangs com o vídeo, que é deles. Agora em
2019 gravei o curta “Brasil 2020”, que lanço em breve e fala sobre o Brasil do
futuro, se continuar essa política equivocada deste desgoverno. Falei destes
curtas políticos porque acho-os mais horrorosos do que meus filmes de horror,
por exemplo.
- Como estão seus projetos
para o futuro?
Quero gravar um curta ultragore
com efeitos e maquiagens extremas, já tenho o roteiro pronto, talvez vá se
chamar “Massacre no Terceiro Planeta”, mas ainda não me decidi pelo título.
Também estou trabalhando em dois livros, “Canibal Filmes – Os Bastidores da
Gorechanchada”, que conta os 30 anos de produções da Canibal Filmes e “Arrepios
Divertidos”, sobre cinema exploitation obscuro.
- Você tem um trabalho
interessante também no campo literário. Quais são suas principais
referências como autores na literatura?
Apesar do meu estilo literário
não ser beatnik, acredito que a literatura beatnik tem bastante influência
sobre minha escrita. Surrealismo também. Não vou destacar autores porque cara
precisaria dar uma espiadela em todos que conseguir e ir encontrando os que lhe
dizem algo. Posso dizer que não sou leitor assíduo de contos de horror, por
exemplo. Sci-fi e dramas sociais me interessam muito mais.
- Depois da grande massa
escolher um governo de extrema-direita, vejo que sempre que pode você manifesta
suas opiniões sobre política, esse país ainda tem jeito? Há futuro para o
Brasil no sentido de liberdade? Ou vamos caminhar para uma nova escravidão
onde os canalhas hipócritas, apoiadores de ditadura militar e opressão nos
governarão por um grande período? O que pensa a respeito do cenário
político atual?
Não é só no Brasil, é no mundo
inteiro. Acredito que teremos uma terceira guerra mundial em breve. Talvez o
povo precise tomar consciência de classe e fazer essa terceira guerra mundial
ser contra os ricos, contra este sistema capitalista, contra a desigualdade
social e racial. Quantos a nós brasileiros, seguindo a tradição de sermos a
vanguarda do atraso, colocamos no poder uma casta de políticos extremamente
despreparados, que vai, de fato, destruir o país. O futuro são os movimentos
sociais.
- Como andam seus projetos
musicais?
Acabo gravando sempre que estou
meio de bobeira sem fazer nada. Mas não são exatamente meu foco. Tenho
experimentado muito barulhos, white noise, theremin e umas coisas com
sintetizador. Mas não me considero exatamente um músico, faço mais porque não
consigo ficar parado e estou achando uma delícia pesquisar, compor e gravar
tudo sozinho, explorando possibilidades infinitas, independente do ouvinte
achar a coisa toda um saco. Deverei continuar realizando experimentações pelo
projeto industrial U, os outros projetos são experimentações de uma demo-tape
só. Criei um perfil no Bandcamp e estou upando alguns dos discos que gravei lá
de tempos em tempos. Quem quiser conhecer, segue o endereço: https://petterbaiestorf.bandcamp.com/
- O filme A noite do chupa
cabras, foi um sucesso, com exibição no canal Space, você atuou como ator,
e fez uma boa atuação, como foi o resultado desse filme para sua carreira?
De tempos em tempos aceito algum papel pra me divertir
fazendo filmes. Ser ator é muito mais divertido do que assumir os pepinos de
produzir e dirigir um filme, onde tu passa a maior parte do tempo preocupado
com dinheiro. Durante as gravações do Chupacabras foi como passar 40 dias num
playground gore, realmente só me diverti. Estou no elenco de alguns filmes bem
curiosos que recomendo, como “Notturnus” (1998), de Dennison Ramalho; “O Sonho
Segue Sua Boca” (2008), de Dellani Lima; “Você, Morto” (2018), de Raphael
Araújo. Neste ano deve estrear o curta francês “Edmund Kemper part 4 – La Mort
Vengeresse”, de Laurent Tissier, onde faço participação especial no papel de um
morto. Acho muito divertido atuar e deverei continuar aceitando papéis em
filmes de amigos.
- Houve recentemente muitas
críticas em relação a Lei Rouanet qual sua opinião a respeito?
Toda e qualquer lei que banca a produção artística é
fantástica e necessária. Eu ainda criaria a lei Rouanet pra educação e saúde,
por exemplo. Brasil é um país rico, todo o dinheiro deve ser colocado para
assistência social, saúde gratuita e produção cultural. O que não dá é pra
perdoar dívidas de bilhões dos bilionários que bancam a desigualdade social.
- O mainstream te atrai?
Gostaria de fazer um filme dentro de um padrão Blockbuster? Se
supostamente um grande estúdio o convidasse?
Não. Interesse zero.
- Um dos seus filmes mais
famosos é o Monstro legume do Espaço, sua “franquia” usando um termo de
mercado de filmes, está encerrada ou ainda pretende continuar a saga?
Não sei responder a pergunta. O Monstro legume do Espaço é
um filme que produzi/dirigi em 1995, num sistema completamente amador, com
ajuda de amigos e que, na época, fiz uma distribuição a nível nacional via
correio, com anúncios em fanzines e revistas independentes. Ele acabou
mostrando aos produtores independentes as possibilidades de se produzir sem
ajuda do estado e como escoar a produção para um público underground que
valorizava a produção independente. Mas era outra época, pessoal não era tão
baba-ovo do mainstream, como é agora. O Monstro Legume do Espaço é o filme
precursor do SOB brasileiro, então não posso dizer que eu não vá refilmá-lo
hora dessas ou fazer uma terceira parte dele. Mas meus planos incluem fazer
Zombio 3 e 4 também.
- No filme Saneamento Básico
de Jorge Furtado, o personagem do ator Lázaro Ramos, cita numa cena que
era uma honra uma cidade interiorana mostrar que não precisavam ir até
Porto alegre para fazerem filmes, dando a entender que é lá que funcionam as
coisas dentro do eixo do Sul, como é fazer cinemas fora do grande circuito
de entretenimento nacional?
Cara, com internet hoje tanto faz o lugar do mundo onde tu
faz os filmes. Inclusive acabou com aquela palhaçada de ser dependente de salas
de cinemas ou televisões pra fazer teu filme chegar ao público. Se tua produção
for minimamente interessante, com algo a dizer, vai encontrar público. Meus
filmes são muito mais vistos do que os filmes dos cineastas do Cinema Marginal
Brasileiro, por exemplo. Isso é reflexo de usar a internet como uma ferramenta
de distribuição. Aqui no Sul, Porto Alegre é o pólo de cinema. Produzo alguns,
de tempos em tempos, por lá as vezes. Gore Gore Gays (1998) é produzido lá, por
exemplo.
- Você consegue atrair
patrocínios para seus filmes?
Geralmente sim. Com Zombio 2 (2013), levantei 50 mil reais
num sistema de financiamento coletivo. Conto várias dessas histórias no livro
“Canibal Filmes – Os Bastidores da Gorechanchada” que deverá sair neste ano.
- Quais diretores principais
tem alguma influência sobre sua obra?
Sou influenciado pelo cinema de todas as épocas e gêneros,
principalmente diretores de cinema exploitation ou cinema de arte. Ozualdo
Candeias sempre me inspirou muito. O jeito de Jesus Franco encarar o cinema
também. O sistema de produção de Roger Corman. O sistema de distribuição de
Harry H. Novak. Se eu fizesse filmes mais comerciais, acredito que seguiria a
mentalidade da American International Pictures de fazer cinema, com dicas da
Troma. Alguns diretores que admiro muito: Koji Wakamatsu, Dusan Makavejev, Jan
Svankmajer, George Kuchar, Andrzej Zulawski, Russ Meyer, John
Waters, entre outros dessa estirpe.
- Levando o assunto para o
campo fantasia e realidade, você acredita em seres estranhos?
Extraterrestres... enfim parte desses elementos citados em muitas obras de
ficção no seu entendimento tem algo de real nisso aí?
Não acredito, o que não me impede de explorar os assuntos.
Tô fazendo inúmeros álbuns de deep space music, como os que fiz com os projetos
musicais Hal9000 e Jurassick Aliens, mas enquanto não tivermos um contato
direto com alienígenas, continuarei explorando fantasiosamente o tema. Geralmente
utilizo monstros reais nos meus filmes, como cidadão comum psicopatas, canibais
da classe média e políticos egoístas, que são muito mais terríveis do que
qualquer vampiro ou lobisomem.
- Como você seleciona as
trilhas musicais de seus filmes? Noto que há belas sinfonias em alguns
deles, especialmente nos curtas.
Eu sou um pesquisador de música obscura, tenho paixão em
ficar procurando sonoridades desconhecidas às cegas. A internet é uma ótima
ferramenta para pesquisas culturais, inclusive música, cinema e literatura de
todos os povos de todas as épocas. É um trabalho árduo em que você fica ali,
somente se dedicando em descobrir coisas geniais feitas por outros humanos.
Paralelo à essas pesquisas, também uso muito som feito por amigos que tem
bandas. Se você faz música estranha, diferente, não usual, me mande! Isso não
quer dizer que eu vá usá-las em algum filme, mas com certeza irei adorar
conhecer.
- O que é ser um artista num
país com tantas dificuldades como o Brasil?
Nem vou reclamar, vou gastar essa energia da reclamação
produzindo mais.
- O Jim Morrison do The
Doors, dizia que o cinema seria o principal agente de transformação da
sociedade, uma alquimia, ou algo assim, você concorda que o cinema tem
esse poder de influência?
O cinema é a arte mais fantástica de todas, pois agrega
todas as outras manifestações artísticas, como teatro, literatura, música,
ciência, mecânica, moda, maquiagem, mágica e todos os outros etcs possíveis.
Por isso o cinema tem a obrigação de ser político e os cineastas não podem ser
idiotas reacionários de cabeça fechada.
- Tem alguma história
bizarra e ou engraçada ocorrida durante as gravações no set que marcou sua
trajetória e que você gosta de contar?
Vou colar aqui um depoimento do diretor Raphael Araújo, que
está livro “Canibal Filmes – Os
Bastidores da Gorechanchada”:
“Uma das aventuras do curta foi uma abordagem policial
enquanto filmávamos na madrugada no centro da cidade de Vitoria. Tudo começou
com uma diária em que não conseguimos cumprir todos os planos de filmagem antes
do amanhecer. Era uma cena tensa, no qual, por incrível que pareça, até rolou
uns ensaios antes. O contexto da cena era a seguinte: Alexandre dirige uma
Kombi preta fantasiado com uma máscara do personagem Daniel, e Petter, ao seu
lado no carona, filma com uma câmera Mini DV em mãos. O dois andam pelas ruas
do centro da cidade até avistar uma nova vítima de dentro do carro, a Milena -
interpretada por Ivna. Começa uma perseguição a Milena com a Kombi, até que a
abordam e a colocam dentro do veículo. Em nossa primeira diária, a programada
na pré-produção, seguimos protocolos de segurança básicos: Aviso a gerencia do
parque, aos moradores do bairro, policia, presença de segurança e sinalização.
Mas no dia “oficial”, aconteceu uma série de imprevistos, que gerou um efeito
cascata de atrasos, ou seja, rodamos apenas uma parte dos planos programados.
Teríamos que voltar e terminar tudo. No meio de uma outra diária extenuante,
com a noite livre, formamos uma equipe reduzida com o mínimo necessário. Após
alguns planos de filmagem, o trecho mais complexo da noite inicia-se. Ivna
caminha frontalmente para a câmera, pela calçada em primeiro plano, enquanto a
Kombi vem atrás dela. O veículo vem devagar e vem se aproximando, até acelerar,
passar por ela e parar. Baiestorf e Alexandre saltam da Kombi rapidamente.
Baiestorf para em frente a Ivna filmando com a mini DV e Alexandre passa por trás
do automóvel agarrando a moça. Ivna grita alto, Alexandre tapa sua boca e corta
a cena. Havia uma serie de detalhes na
ação que devem encaixar no tempo certo para que a cena possa estar de acordo
com o que queríamos. Isso demandou algumas tomadas. Não muitas. Lá pela quarta
vez, não sei se houve denúncia, mas uma viatura da polícia apareceu logo após o
grito de Ivna. A viatura parou atrás da Kombi e dois policiais saíram do carro.
Um deles com arma em punho apontada para Baiestorf. A equipe de filmagem toda
parou, explicando que se tratava de um filme. Os policiais, um pouco
contrariados, disseram que só não atiraram porque viram a câmera do Baiestorf.
E que na verdade a máscara não assustou muito eles, mas o que realmente
assustou foi a face e a figura do Baiestorf.
Tudo se resolveu e polícia foi logo embora. Voltamos para filmagem da
cena. Todos com uma dose extra de adrenalina no sangue. Desse modo, na primeira
passagem da cena após a abordagem policial correu tudo perfeitamente, foi a que
valeu.”
- Qual o balanço você faz
desses anos de carreira, em toda a sua obra? Já que é um artista Inter
semiótico, onde se expressa por diversas linguagem artísticas.
Ainda não estou conseguindo fazer nenhum balanço. Até acho
que produzi muito pouco e que poderia fazer muito mais, em todas as artes que
me aventuro, seja cinema, literatura ou música. Tenho um estilo próprio,
autoral, que faz a ligação entre toda minha produção artística, independente da
mídia usada. Tento respeitar isso, de resto os olhos estão voltados para o
futuro, sempre encaro a próxima obra como se fosse minha primeira.
- Baiestorf por Baiestorf?
Um cara que nunca vai fazer aquilo que tu espera que ele
faça. E no mais, obrigado pelo espaço Ricardo e continue apoiando e divulgando
a cena independente.
© 2019 AGÊNCIA PROPULSORA DE NOTÍCIAS - RICARDO CUNHA (RICARDOROCKCUNHA.BLOGSPOT.COM)