domingo, 24 de agosto de 2008

GUMERCINDO: MANDINGA, PÉ-DE-PATO & QUIPROQUÓS CAPÍTULO VII


Ao chegarem no alojamento, o contratante apressou-se em apresentar o quarto onde Gumercindo iria dormir, teria de dividi-lo com mais quatro homens que trabalhariam com ele. O contratante lhe explicava os detalhes enquanto apontava o canto do banheiro, os outros quartos e a cozinha.
Era uma espécie de cortiço, muito simples e organizado, com uma dezena de quartos cada qual suportava cinqüenta homens, todos contratados para trabalhar numa obra ao lado, onde seria construída uma enorme mansão.
- Bem Gumercindo, tu pode tomá um banho e isperá o almoço lá no teu quarto.
Gumercindo sentia-se bem ali, acreditava que os outros trabalhadores o receberiam com a mesma cordialidade do contratante.
Então fez o que o contratante sugeriu; foi ao banheiro coletivo sem toalhas ou roupas limpas para tomar banho, e lá havia alguns homens nos chuveiros que eram muitos, onde banhavam-se à mostra.
Os homens nordestinos como ele vindos de estados variados, demonstravam serem muito alegres e brincalhões. Como crianças faziam graça com a aparência do outro e com hostilidade receberam Gumercindo.
- Ih, já chegou um pé-inchado. – disse um sujeito alto, barba rala com dois dentes em falta no centro da boca.
Gumercindo ficou quieto, liberou um leve sorriso e não entendeu a brincadeira, tirou a roupa após o ato e seguiu-se uma grande gozação.
- Olha o tamanho da pomba dele. – gritou um dos homens.
- Deve ser igual de japonês. . . – comentou outro gargalhando.
- Encolheu por que não usa, Ah, Ah, Ah. – zombou um terceiro.
As gargalhadas era geral, Gumercindo fez cara triste e sentiu-se mal, mesmo zombado tomou banho, mostrando seu corpo ridicularizado. A água lhe confortava e lhe fazia bem, seu corpo franzino, com uma barriga saliente para sustentar estava cansado, e necessitava comer.
Após o banho se vestiu com a mesma roupa, saiu no meio da zombaria, não sabia o que dizer ante a algazarra dos homens, então calou-se e procurou o que comer.
Chegou na cozinha e um sujeito gordo cara-de-ruim, vestido de branco o atendeu:
- O que tu quer?
- Eu quero comê. – respondeu submisso.
O homem olhou dos pés a cabeça de Gumercindo e continuou:
- Tu veio donde?
- Do Ceará.
- Ah, pensei que tu era Paraense, como eu, agora não é hora de comê não. Almoço já passou, espera a janta .
Durante a conversa um dos sujeitos que estavam no banho apareceu todo asseado, limpo, olhou com cara de deboche para Gumercindo e pediu:
- Ei Pará, prepara alguma coisa p’ra mim comê.
- Espera um pôquim ai Natal, que já faço. – respondeu o cozinheiro que negou comida para Gumercindo.
- Mas se ele vai comê, por que eu...
- Por que tu é cearense e ele é meu conterrâneo. P’ra tu só janta.- respondeu com meio-sorriso.
Gumercindo arregalou os olhos, observou o sujeito que ia comer, olhou o cozinheiro enquanto preparava alguma refeição sentiu o cheiro da fritura e subitamente perdeu a fome e nem o jantar quis.
Na manhã seguinte, Gumercindo acordou cedo, logo que o cozinheiro responsável pelo café acordou os trabalhadores. Teve uma noite confortável, suas costas estavam bem descansadas naquele colchão de espuma. Acostumado a dormir nas praças, a cama do alojamento era o melhor que lembrava ter.
Levantou-se com os outros, seguiu os passos do cozinheiro até a cozinha, onde havia um simples refeitório e lhe foi servido café e pão com manteiga. Seu estômago agradeceu, a fome voltou de forma terrível, deu vontade de comer outro pão, então foi pedir ao cozinheiro.
- Ei, me arruma outro pão.
- Acabou. – respondeu com ironia no tom da voz. – Agora só o almoço ao meio-dia.- continuou o cozinheiro com raiva.
Acostumado com a hostilidade das pessoas, Gumercindo não se importou com a crueldade do cozinheiro que se realmente quisesse ajudá-lo poderia lhe dar outro pão que havia sobrado e que não lhe faria falta. Porém mesmo não se importando com a reação do cozinheiro, seu estômago o torturava e queria mais comida. Sentia uma dor inconsolável como uma força que o consumia e houvesse uma onça ali dentro e começando a bramar:
- Ohaaaarrrr! Ohaaaarrrr.
- Era o barulho que ouvia e sentia, arregalou os olhos novamente, fez uma cara de assustado e pálido apoiou-se num pilar do refeitório, colocou uma das mãos sobre a barriga e tentou controlar a fera que tinha ali, faminta e selvagem.
- Ohaaaarrrr! Ohaaaarrrr... – Era o barulho no seu estômago, os trabalhadores ainda atentos com suas refeições não perceberam o suplício de Gumercindo, então ele ao observá-los, lembrou-se do dia anterior, da zombaria e entre uma risada ou outra, sentia a mesma sensação que teve ao ser zombado. Sensação que somada com a crueldade do cozinheiro ao recusar-lhe o almoço no dia anterior, acabou lhe tirando a fome, ficando sem almoço e jantar naquele dia.
Então decidiu que o único jeito de controlar a “onça” de dentro da sua barriga, era ser motivo de chacota. Caminhou com dificuldade até a mesa do refeitório e entre um passo e outro a “onça” bramia:
- Ohaaaarrrr, Ohaaaarrrr.
Ao encontrar com os homens pediu:
- Ei, fa-falem comigo daquele jeito.
- O quê? – Estranhou um dos sujeitos. Súbito porém um dos trabalhadores o zombou:
- Olha lá o cara da pombinha. AH, AH, AH.
A zombaria foi geral arrancando gargalhadas de todos, enquanto a onça ainda bramia:
- Ohaaaarrrr, Ohaaaarrrr...
- Deixando Gumercindo sem jeito e se requebrando a cada ataque da fera da fome. Porém com as gargalhadas e zombaria, a onça foi se acalmando e os urros eram mais leves, logo miava, até que desapareceu, então Gumercindo começou a rir com os debochado- res.
Algumas horas depois e Gumercindo já estava na construção da mansão, o contratante explicou-lhe o serviço, recém-contratado, não conhecia ninguém. Os mais aproveitadores o escalavam para o serviço mais pesado.
O contratante o deixou ajudando o pedreiros e saiu, eram três sujeitos estranhos cearenses como Gumercindo, quando o receberam lhe impuseram as ordens:
- Tu pega o cimento e faz massa para nós três, vamos levantar essa parede ainda hoje. – disse apontando para um alicerce que pela altura apontada, teria ao menos três metros.
Fazendo o que ordenaram, Gumercindo pegou o pesado saco de cimento e começou a fazer massa para assentar os tijolos.
- Qual é o teu nome? – indagou o pedreiro.
- Gumercindo. – respondeu com os olhos arregalados.
- Então Gumercindo, aqui não pode faltar massa, mesmo que tu for fazer outro serviço, não pode deixar faltar, para nós trabalhar tá ouvindo. – Explicou o pedreiro com uma voz de autoridade. Gumercindo gostou daquele tom de voz e com um sinal de cabeça concordou e compreendeu a tarefa que tinha, logo começou a abastecer os três pedreiros com a massa, explicaram-lhe como devia fazê-la para ser melhor utilizada, e ele fazia como disseram.
Rápido e com muita energia, Gumercindo dava conta do serviço, logo os aproveitadores começavam a agir e seu nome era ouvido na obra inteira:
- Gumercindo, pega uns quatro tijolos p’ra mim. – E lá ia fazer o que pediam, então outro espertalhão ao ouvir o pedido, fazia o mesmo para zomba-lo e vê-lo obedecer:
- Gumercindo, pega uns dois sacos de cimento para mim.
- Ei Gumercindo, está acabando a massa. – Gritou um dos três pedreiros que ele servia.
- Já estou indo. – respondeu atarefado nos inúmeros pedidos.
Então seu nome começou a se tornar palavra obrigatória na boca dos trabalhadores.
Aos poucos, até os serventes lhe davam ordens enquanto descansavam zombando e Gumercindo ingênuo e dinâmico, fazia o que pediam sem reclamar:
- Ei Gumercindo faz aquilo que te pedi.
- Gumercindo, vai logo.
- Gumercindo, Gumercindo...
Quando o contratante chegou, um silêncio seguiu, então indagou:
- O que está acontecendo aqui? Virou feira? – bradou o homem que até então parecia ser calmo, para Gumercindo.
- Gumercindo, o que está acontecendo?
Derramando suor pelo rosto inteiro, arregalou os olhos e respondeu:

- Tô trabalhano .
- Estou vendo, e trabalhando até demais. – continuou o contratante olhando para os demais.
- Não quero saber de patifaria aqui.- continuou. – Cada qual que faça o seu serviço. O Gumercindo faz o dele e vocês o deixem trabalhar.
Os trabalhadores em silêncio e envergonhados, disfarçavam e aos poucos voltavam ao trabalho. Gumercindo continuou a ajudar os três pedreiros e assim foi até a hora do almoço.

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