domingo, 14 de setembro de 2008

GUMERCINDO: MANDINGA, PÉ-DE-PATO & QUIPROQUÓS - CAPÍTULO X Romance de RICARDO CUNHA



Ali deitou-se e descansou as pernas que doíam por tantas caminha –das. Ao ficar descansado, sorriu e sentiu-se aliviado.
Portanto precisava se ajeitar, conseguir comida para jantar e se possível até mesmo algo confortável para se deitar durante a noite.
Saiu quando já era tarde, então perambulou à procura de comida, temendo a volta da onça com sua fúria. Se apressava em encontrar o que comer, sentiu derrepente um cheiro agradável que atiçou seu paladar, procurou pelo cheiro que vinha de uma esquina com ruas mortas, e lá novamente avistou uma multidão.
Aproximou-se receioso, assustado percebeu que os homens e mulheres ali presentes eram como ele; mal-vestidos e sujos , então se confortou e deixou a cautela.
A razão para aquela concentração, eram algumas pessoas com um enorme caldeirão, cheio de sopa, com um cheiro delicioso que exalava convidando os esfomeados. Distribuindo as refeições, um grupo de pessoas mal-humoradas que vestiam camisetas brancas e demonstravam fazer aquilo como uma obrigação.
Havia uma fila desordenada e os esfomeados apanhavam a sopa e um pedaço de pão e um copo de chá, servidos em copos e pratos descartáveis.
Gumercindo ficou feliz com o que viu, então foi até o local de entrega das refeições, um dos mendigos o olhou com cara feia e entrou em sua frente, ele hesitou. Porém continuou ali até receber sua refeição ao consegui-la devorou rapidamente e guardou o pão para o dia seguinte.
Voltou então para sua ponte e teve uma noite agradável, seus pesadelos.
Os dias que se seguiram foram de mesma forma, havia até mesmo uma certa rotina. Gumercindo acordava cedo, caminhava á procura de comida, pedia para algum transeunte ou comerciante.
Algumas vezes recebia sim, muitas vezes recebia não, mas sossegava apenas quando a “onça” do seu estômago saciava.
À noite procurava a sopa gratuita distribuída em alguns pontos da cidade, conhecia cada local que havia e não se preocupava em visitá-los duas ou três vezes durante a noite.
Assim foram dois anos e beirava os três. Gumercindo nunca sentiu-se incomodado embaixo da ponte, despreocupado acostumou-se com o chão duro e nem procurou se confortar com algo para deitar-se.
Gostava da cidade e se adaptou à ela, não pensava em voltar para o Ceará e acreditava que o melhor era viver daquela maneira.
Durante uma manhã de procura por comida, recebeu diversos nãos, e um convite para "trabalhar vagabundo", aquilo mexeu com sua cabeça. Á noite perdeu a fome, não conseguiu comer, e aquele "vai trabalhar vagabundo", com a força de suas palavras o incomodava e durante essa noite sem dormir, decidiu que precisava trabalhar, era um vagabundo, quando podia ser um trabalhador e gostava de trabalhar, sentiu saudade da obra e do alojamento, porém nem pensava em voltar, sentia medo da agressividade do cozinheiro e dos outros trabalhadores. Além de se envergonhar por ter abandonado o contratante.
Queria trabalhar para pagar sua comida, ter seus trocados, comer sem pedir e ficar livre, era tudo que queria, trabalhar para viver e não o contrário.
No outro dia procurava por emprego, caminhava, perguntava, mas mal-vestido, com a barba por fazer, sem tomar banho há muitos dias, dificilmente alguém o ajudaria. Então percebeu numa rua morta, um velho carregando papelões e sucata dentro de um carrinho de ferro, uma espécie de sucata transformado em puxador de carga.
Aproximou-se do velho e o indagou:
- O que tu vai fazer com esse lixo?
- Vou vender ora essa. – respondeu o velho sem dar atenção.
- E vende é?
- Claro, lá no ferro-velho.
- E onde fica o ferro-velho?
- Duas ruas para baixo daquela avenida.
Gumercindo gostou da idéia, apressado seguiu em direção ao ferro-velho para buscar informações sobre a venda do lixo que o velho lhe falou.
Chegando ao local, um prédio abandonado forrado de sucata, onde havia vários cachorros latindo e um sujeito que pesava com o auxílio de uma balança, um enorme fardo de papelão. Gumercindo aproximou-se e perguntou para o homem:
- Aqui é o ferro-velho?
O homem um gordo de óculos com lentes e armação grossas, olhar míope, sujo da cabeça aos pés, disfarçava a careca com um boné personalizado com a marca de uma cooperativa estampado logo na frente. Observou Gumercindo ao responder:
- O que cê acha?
- Acho que é.- retrucou Gumercindo.
- Então... O que quer?
- Quero vender papelão lixo...
- Aqui a gente só compra, não contrata ninguém. – interrompeu o sujeito da balança.
- E quanto paga ?
- O sujeito sorriu, olhou para Gumercindo, abaixou a cabeça a mexeu enquanto coçava a careca já sem o boné e respondeu:
- Olha, funciona assim: Você traz a sucata; alumínio, ferro, plástico, papelão, tudo separado. A gente pesa e após pesar faço as contas e te pago o valor.
Gumercindo arregalou os olhos e fez um sinal positivo com a cabeça. Lubrificou os lábios e continuou a falar:
- E onde consigo a sucata?
- Na rua, nos terrenos baldios... Olha, lá perto da favela, abaixo da marginal, tem um lixão. Ali é depositado todo o lixo... ou quase todo lixo da cidade e lá cê vai encontrar muita sucata é só ir lá e nos trazer.
- Tá certo, como eu chego lá?
- Mas cê pergunta hein home . – Se aborreceu o sujeito da balança, então num movimento rápido se afastou da balança e convidou Gumercindo para acompanhá-lo, o fez e juntos subiram até o parapeito do velho prédio abandonado. De lá o homem apontou para o lixão que ficava longe dali, mas alguns pontos negros no céu o denunciavam.
- O que são aquilo no alto? – Indagou Gumercindo.
- Ah, aquilo são urubus é só segui-los que você chega no lixão.
Gumercindo observou o lixão fascinado com aquela enorme nu- vem de urubus acima de tanto lixo. Boquiaberto permanecia observando sem se preocupar em incomodar o sujeito da balança.
Eis que ele ansioso o pressionou:
- Então já deu para saber onde que é não?
- Sim, acho que deu. – respondeu Gumercindo sem tirar os olhos daquela imagem.
- Então vamos , pois preciso trabalhar.

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