sábado, 27 de setembro de 2008

GUMERCINDO: MANDINGA, PÉ-DE-PATO & QUIPROQUÓS CAPÍTULO XII




Os homens que acabaram indo naquele lugar como ele, disfarçavam e vasculhavam o lixo. Incomodados, abaixaram a cabeça e ficaram em silêncio enquanto Gumercindo se afastava.
Ele não sentiu ódio dos homens, nem mesmo rancor ou pena, apenas achou estranho que numa cidade enorme, acabassem se cruzando por ali. Decidiu esquecer o assunto, era passado e isso não o interessava.
Levou o saco cheio de sucata até a cooperativa e novamente ao chegar encontrou o sujeito da balança. Dessa vez, estava atendendo a um telefonema, fez sinal para Gumercindo esperar, após alguns minutos abriu o portão seguido por seus vários cães mansos, mas que latiam sem parar.
Ao ver o enorme saco nas costas de Gumercindo o indagou:
- Então, trouxe coisa boa?
- Acho que sim. – respondeu com cansaço pelo peso nas costas.
Levou meio corcunda o pesado saco até a balança e ao despejar o sujeito ficou feliz com o que viu novamente:
- Outras chapas de bronze! Você é um homem de sorte.
- Senhor acha?
- Isso é difícil achar, ninguém tentou te tomar?
Gumercindo pensou um pouco, lembrou dos dois homens que no fundo o observavam por outro assunto e desconversou:
- Não, eles estavam procurando comida e não ferro.
- Ah, Ah, Ah. – gargalhou o sujeito da balança e continuou com alegria na fala. – Você é uma figura, qual é seu nome?
- Gumercindo.
- É Gumercindo a vida é dura e se for mole cê não dura não. Mas faça o seguinte; está vendo aquele carrinho lá? – apontou o sujeito para um carrinho velho, feito de casco de geladeira, uma lataria improvisada com dois pneus bons que serviam com muita utilidade para carregar sucata.
- Estou. – respondeu Gumercindo.
- Então eu te dou ele em troca dessas chapas de bronze, você aceita? É melhor que carregar peso nas costas.
Gumercindo viu o carro de geladeira, pensou, pensou e comentou:
- Mas é que eu preciso almoçá , tô com fome então preciso de uns trocados.
- Bem, já sei cê quer tomar umas cachaça não é mesmo? – Perguntou o sujeito da balança com bom humor.
- Não eu não gosto de bebida.
- Me engana. – desafiou o homem e sugeriu: - Façamos o seguinte, eu te pago um marmitex e te dou o carrinho em troca dessa sucata, feito?
- Marmitex?
- É uma marmita cheia de comida boa.
- Então aceito, se me der comida e o carrinho, aceito sim.
- Beleza, agora mesmo vou ligar para trazerem nosso almoço, vou pedir uma para mim também.
O sujeito da balança foi ao telefone e fez o pedido em pouco tempo, um motociclista trazia a encomenda. Gumercindo estranhou a embalagem laminada do marmitex.



A segurou e sentou-se num canto da Cooperativa junto à sacola do marmitex, encontrou uma colher e um garfo de plástico, utilizou a colher, achou excelente o cardápio, forrado de carne e legumes.
Em poucas colheradas cheias, Gumercindo comeu a marmitex, lambeu a embalagem cortou um pedaço do lábio, onde saía gotas de sangue. O sujeito da balança fazia sua refeição numa mesa de seu escritório improvisado no centro da Cooperativa e evitava falar nos intervalos de cada colherada.
Gumercindo descansou em silêncio e sentia-se melhor, aos poucos as histórias a respeito de São Paulo que ouvia no Ceará se concretizavam.
A cidade que tinha fartura, trabalho, muitos trocados para receber, acabou descobrindo no lixo. Ali sentiu que conseguiria sobreviver e se continuasse com aquela sorte, imaginava que poderia conseguir um local para morar, deixando para trás seu canto embaixo da ponte.
Após o almoço levantou-se, caminhou até ao carrinho que agora lhe pertencia e orgulhoso saiu á procura de mais sucata.
Refez o já conhecido trajeto da Cooperativa ao lixão e já sem a ajuda dos urubus chegou ao local de seu garimpo.
Quando chegou com seu carrinho de geladeira, os outros catadores cresceram os olhos, atentos invejavam Gumercindo vasculhando o lixo. Achavam estranho ele haver conseguido um carrinho de geladeira em pouco tempo.
Estava alegre e não conseguia disfarçar sua alegria, ao procurar sucata, encontrou papelão e fios de cobre, plásticos com bom valor de venda na Cooperativa e encheu o carrinho voltando para vendê-los.

Ganhou alguns trocados, era tarde, pediu ao sujeito da balança outro marmitex, deixou o carrinho de geladeira na cooperativa e foi embora com seu jantar para uma noite de descanso embaixo da ponte.
Nos dias que se seguiram, Gumercindo continuou com sua coleta, às vezes trazia sucatas de valor outras vezes o que trazia era suficiente apenas para o almoço.
O sujeito da balança lhe oferecia banho todo dia em troca de algumas sucatas e aos poucos também lhe dava roupas limpas que não serviam para seu uso. A onça de seu estômago andava sumida naqueles dias, com vontade e disposição, fazia três coletas por dia e já era figura conhecida neste trajeto. Logo era conhecido e muitas pessoas já o chamavam pelo nome, seus trocados que sobravam, juntava e o guardava na cintura o transportando para onde ia.
Não pretendia gastar com qualquer coisa e pensava em comprar um local para morar, ou um colchão, pois mesmo acostumado com as noites embaixo da ponte, ainda sentia saudades da cama do aloja- mento. Seus ganhos aumentaram a cada coleta de sucata e sentia a cada dia os trocados aumentarem em sua cintura.
No lição os catadores evitavam conversar enquanto vasculhavam o lixo, mas durante um intervalo na coleta, dois catadores conversa- vam chamando a atenção de Gumercindo que se interessou pelo assunto da conversa:
- Então tu quer vender seu barraco? – perguntou um dos catadores ao outro.
- Tô vendendo. – respondeu o outro catador.
- Porque home?
- Tô cansado dessa cidade, de sofrê aqui... passá fome, vô vendê e voltá pro norte.
Gumercindo atento arregalou os olhos, coçou a cabeça com o
boné enterrado, deixou uma garrafa de plástico que acabara de apanhar num carrinho de geladeira e indagou o catador que falava:
- Tu quer vender um barraco é isso?
O catador espantado e levemente irritado com a indiscrição de Gumercindo ao ouvir sua conversa reservada com o outro catador, virou a cabeça observou Gumercindo e respondeu:
- Tô sim... quer comprá?
- Quanto é?
- Quinhentos real.
- Fica perto daqui?
- Fica, na favela... – Apontou o homem para a favela próximo ao lixão.
- Eu quero vê o barraco. – disse Gumercindo ainda com os olhos arregalados. O catador olhou para o outro que fez um sinal de interesse com a sobrancelha, então decidiu:
- Vamos até lá.
Gumercindo coçou sua barba que já havia crescido o suficiente para espichar e espichada de maneira assustadora como se aumentasse o tamanho do seu queixo, Gumercindo saiu pelas ruas da favela com seu carrinho de geladeira com pouca sucata e o empurrava com orgulho.
Chegou ao barraco do sujeito, eram dois cômodos e um banheiro, feitos de sobras de madeira e pedaços de plástico, ali viviam ele e Três filhos, além da mulher que preparava no quintal o que seria o almoço, usando latas de óleo vazias que improvisadas serviam de panela.
- é esse aqui o barraco, gostou?
Gumercindo olhou para as paredes improvisadas do barraco, para a vizinhança de barracos parecidos, outros diferentes, alguns feitos de tijolos. Estranhou o enorme morro bem em frente ao barraco, que ficava no seu começo embaixo de muitos lares.
Logo desviou sua atenção para as crianças, curioso viu o que sua mãe preparava e novamente o catador dono do barraco insistiu numa resposta interrompendo sua análise e seus pensamentos.
- Cumé gostou do barraco?
- Gostei, vô comprá.
- O dono do barraco espantou-se com a decisão de Gumercindo, e se perguntou se aquele sujeito esquisito, teria mesmo o dinheiro para pagar-lhe pelo barraco.
Gumercindo sem dizer nenhuma palavra, tirou da cintura um saco plástico de lá saiu um pacote cheio de notas de todos os valores. O dono do barraco boquiaberto ajudou a contar o dinheiro a pedido de Gumercindo, ao todo a soma era de mil e duzentos reais, bem guardados com muito suor.
- Esse dinheiro dá ? – Questionou Gumercindo com ingenuidade, não conhecia dinheiro, juntou para conseguir comprar um canto, um barraco, mas não sabia fazer contas e nem entendia de valor algum, imaginou que seu dinheiro era suficiente para a compra pela quantidade de coletas que fizera para arrecadá-lo e pelo tamanho do pacote de notas. Não confiou em perguntar para o sujeito da balança quanto tinha, temia que o roubasse, mas no dono do barraco confiou e sentiu pena por suas crianças, novamente olhou para as panelas de lata de óleo na fogueira e viu apenas água e fubá.

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