domingo, 21 de setembro de 2008

GUMERCINDO: MANDINGA, PÉ-DE-PATO & QUIPROQUÓS CAPÍTULO XI - ROMANCE DE RICARDO CUNHA


Desceram do prédio e Gumercindo se apressou em procurar o lixão. Caminhou pela cidade e observava vez por outra o céu, para seguir os urubus e encontrar com facilidade o lixão.
Andou bastante para chegar ao lixão, ao aproximar-se, via muitos caminhões de lixo que passavam lotados e voltavam vazios. O cheiro era parecido com o seu, há meses não tomava banho.
Chegou ao lixão e se apaixonou pelo local, várias pessoas vasculhavam as montanhas de lixo em busca de comida e sucata. Gumercindo sabendo que valia dinheiro, sentiu uma enorme fartura naquele local.
Com tanto lixo, tanta sucata não precisava pedir comida, ganharia o suficiente para se manter. Os urubus que viu no céu, pousavam próximo das pessoas e se afastavam com algum movimento involuntário dos catadores que os assustavam.
O espaço do lixão era enorme, cabia ali três ou quatro campos de futebol. O lixo jogado era pulverizado e aterrado num espaço preparado recebê-lo, de um modo desleixado e negligente.

As pessoas se aprofundavam nas montanhas de lixo e ali apanhavam o que podiam. Homens, mulheres, velhos e crianças, alguns famintos, comiam o que achavam:
Enlatados vencidos, carne podre de porco, de gado, de aves e até de gente. Era normal ver algum rato correr entre o entulho, sendo motivo de susto para os catadores.
Os urubus esperavam a análise e o aval de seu líder para atacar a carniça que encontravam e comê-la. Remexiam à procura do que mais queriam, e eram aceitos como verdadeiros donos daquele local.
Ali comiam, se encontravam e faziam seus ninhos, ao nascer os filhotes os deixavam à deriva e estes logo precisavam se enturmar ou custaria a própria vida, sua individualidade.
Os filhotes vomitavam quando viam gente, ou por desprezo ou nojo. Vomitavam a carniça que seus pais lhe deram e guardaram.
Vomitavam uma carniça podre que lhe foi dada e saia como necessidade fétida, horrorosa para qualquer humano.
Gumercindo descuidou-se ao caminhar pelo lixão e quase pisou num ninho de urubus com quatro ovos e três filhotes. Ao observá-lo os urubus abaixaram a cabeça e estranhamente não vomitaram como de costume e manifestavam como se sentissem seguros com sua presença.
Afastou-se do ninho e continuou a observar as montanhas de lixo disputadas com ansiedade pelos catadores. Então tentou contatos com as pessoas que não lhe deram atenção e continuava a busca apressadamente.
Gumercindo decidiu procurar sucata como faziam, apanhou alguns papelões enormes, um destes foi dividido por uma mulher que o puxou com força, o arrancando de suas mãos.
Procurou por outras sucatas, apanhou o que pôde, conseguiu uma enorme sacola, encheu com o que arrecadou e apressadamente levou para a cooperativa, seguindo o enorme trajeto que fizera novamente.
Ao chegar na cooperativa, foi atendido novamente pelo sujeito da balança, que pesava uma remessa de plástico prensado.
- Ah vejo que já conseguiu sucata. – comentou o sujeito da balança.
- Sim, consegui. – Respondeu Gumercindo, então levou a sacola que carregava nas costas e jogou o que continha no chão.
- O que é isso? – impressionou-se o sujeito da balança: - Isso não vale nada, é só lixo, aí só tem enlatado, resto de comida e argh, carniça... Tira isso daqui. –irritou-se o homem, então Gumercindo juntou novamente o lixo que arrecadou, colocou na sacola que tinha e voltou ao lixão para devolvê-lo. Caminhou novamente, ao chegar apanhou o que pôde de papelão e ferro, lotou um enorme saco e já era noite quando retornou o longo caminho de volta à cooperativa.
Chegou e o sujeito da balança não estava mais ali, ao ser chamado por Gumercindo, o sujeito apareceu na janela do velho prédio e de lá gritou:
- Por hoje chega, agora só amanhã vou voltar a funcionar.
- Mas eu trouxe papelão e ferro dessa vez.
- Eu já tomei banho, coisa que pelo seu fedor você desconhece, não vou mais mexer com lixo hoje não.
- É que eu tô com fome, não comi nada hoje.
- Se vira parceiro, amanhã eu abro cedo. Boa noite. – despediu-se o sujeito da balança ao afastar-se da janela.
Logo as luzes do velho prédio da cooperativa se apagaram. Triste, Gumercindo seguiu para seu reduto embaixo da ponte.
Muito cansado, desabou num canto limpo quando chegou, e dormiu profundamente esquecendo da fome, do cansaço e da tristeza com o trabalho perdido daquela tarde.
Naquela noite, Gumercindo não sonhou e a sucata que arrecadou, serviu de travesseiro. O zum-zum dos carros não incomodaram seu pesado sono e permaneceram até ao amanhecer, quando o sono o abandonou e ele voltou a ouvi-los.
Zum, Zum, Roooommmmm ...
Soava bem alto na estreita ponte. Gumercindo abriu seus olhos e um frio na barriga anunciou que a onça de seu estômago começava a despertar.
No dia anterior não almoçou nem jantou, então temendo a angústia da fome somada a fúria da onça. Gumercindo levantou-se, apanhou o saco cheio de sucata e rumou em direção a Cooperativa.
Levou algum tempo para concluir o trajeto, ao chegar, avistou o sujeito da balança já trabalhando, pesando fardos de sucata.
Ao avistá-lo o sujeito da balança abriu o portão e Gumercindo adentrou feliz com o saco nas costas.

O sujeito da balança fez cara-feia ao sentir o fedor de Gumercindo e com ar repulsivo o questionou:
- Isso é sucata mesmo?
- Agora é, trouxe papelão e ferro.
- Então me mostre.
Fazendo o que o sujeito da balança pediu, Gumercindo apressou-se em mostrar a sucata que tinha no saco, virou de boca para baixo e despejou o seu conteúdo. Como dissera havia ali papelão e alguns pedaços de ferro que trouxera, o sujeito da balança se espantou.
- Ora essa, você é um cara de sorte.
- Por que?
- Essas chapas são de bronze, dão um bom dinheiro.
Gumercindo arregalou os olhos e abriu um sorriso, o homem pesou o bronze e lhe propôs um negócio:
- Vamos fazer o seguinte, você toma um banho no meu banheiro, te dou café com pão, algumas roupas velhas que tenho ali em troca dessas chapas de bronze.
Gumercindo gostou da proposta e sem pestanejar aceitou. O sujeito da balança realmente ganharia um bom dinheiro com aquelas chapas de bronze, então fizera um bom negócio.
Satisfeito mostrou o banheiro que havia o chuveiro e apressou em trazer algumas roupas velhas, porém limpas.
O banho durou mais de uma hora, sendo interrompido pelo sujeito da balança, aborrecido com a demora, Gumercindo sentia-se renovado, vigoroso com sua limpeza. Vestiu as roupas que ficaram largas, mas que serviu em seu corpo magro.
Junto com as roupas havia um boné com a marca da cooperativa estampada, o colocou na cabeça com seus cabelos crespos e espichados que nem lembrava quando cortou ou mesmo se o fez alguma vez.
A “onça” começava a bramir em sua barriga, então apressou o sujeito da balança:
- E o café com pão que o senhor ia me dar?
- Já vou lhe trazer. – respondeu o sujeito da balança, deixando o trabalho de lado e indo apanhar o que foi prometido.
Quando trouxe, Gumercindo fez festa, além do café, o sujeito da balança lhe trouxe pão, queijo e duas frutas: Uma banana e um ma- mão. Devorou o queijo primeiro entre goladas de café, em seguida o pão foi a vítima da “onça” e ao devorar as frutas ela já adormecia.
- E agora vou lá no lixão pegar mais.
- Beleza, isso mesmo, traz mais papelão e ferro, o que der para você trazer de valor eu compro.
Animado com as palavras do sujeito da balança e sentindo-se melhor com o trato que recebeu, Gumercindo apressou-se em buscar mais sucatas.
Encontrou as mesmas pessoas que viu no dia anterior e novamente elas o trataram com indiferença. Uma das crianças ao percebê-lo comentou com sua mãe:
- Mãe, ó aquele home feio de novo.
Gumercindo estranhou a atenção da menina e a desatenção da mãe para com a filha que continuava a revirar as montanhas de lixo em busca de entulho.
Então novamente viu um ninho de urubus, que abaixaram a cabeça ao percebê-lo. Um outro catador aproximou-se próximo do ninho para revirar o lixo, quando um dos filhotes vomitou enojando o homem.
Gumercindo então surpreso se afastou e começou sua busca. Novamente encontrou placas de ferro e bastante papelão, durante a procura arranjou outro enorme saco de estopa que estava pela metade com trigo.
Jogou o conteúdo no entulho, e colocou o que arrecadou dentro, nesse intervalo sentiu-se observado por dois homens, tal observação o incomodava. Então irritado levantou a cabeça e os fitou, eis que os homens eram os que o jogaram do pau-de-arara.
Espantados com a presença de Gumercindo e constrangidos, desviaram o olhar. Surpreso mas não envergonhado como os dois sujeitos, Gumercindo ergueu o saco e o colocou nas costas sem tirar os olhos deles.

2 comentários:

Anônimo disse...

Meu caro irmão, não precisaria dizer o quanto você é especial, você e a Sue. Amo vocês, gente do bem e artístas de mão cheia e, de uma proatividade significativa. Parabéns por todo trabalho artístico e social, os seus textos, as suas músicas, o seu caráter e o seu talento. Um grande abraço meu amigo.

RICARDO CUNHA disse...

OBRIGADO IRMAO BONDADE SUA, MUITAS FELICIDADES NESSE NOVO ANO EM SUA VIDA!!! ALEGRIA!