domingo, 20 de julho de 2008

Gumercindo: Mandinga, Pé-de-Pato e Quiproquós - Capítulo II - Romance de Ricardo Cunha


Perambulou durante dias pelos casebres e chegou ao centro de uma grande cidade, longe de Apuiares. Não comia há dias, nem se lembrava da fome e suas tetas secavam com os esfomeados bebês.
Não suportaria muito aquela vida, trocou um dos meninos, o mais forte, por uma estadia de três dias numa pensão, Malvinda tentou se dispor do miúdo, mas a dona da pensão conservadora e rigorosa não gostou do menino e exigiu que ninguém soubesse do feito:
- Após a estadia, pegue suas coisas e nunca mais apareça aqui, mesmo casada com o prefeito.
Malvinda obedeceu, tinha menos peso para carregar e mais leite nas tetas secas com os dois bebês, o miúdo mamava pouco, enquanto o forte que doou era muito guloso. Porém a mulher ainda culpava o culpava por sua desgraça, tentou trocá-lo, vendê-lo, entregá-lo, mas ninguém o queria, até que um marmanjo após muita insistência aceitou uma troca; Cuidaria do menino miúdo, convenceria sua amante rica a aceitar o bebê, mas exigiu o sexo de Malvinda no negócio.
A mulher aceitou, comeu e bebeu antes do coito, fugiu em seguida deixando um filho e levando outro ainda embrulhado no cobertor.
Assustada e apressada, a mulher se descuidou e levou o miúdo consigo, amaldiçoou novamente o menino, mas preferiu não voltar para rever o marmanjo, chorou nervosa, agarrou o bebê com bronca e continuou sua caminhada sem destino.

*

Procurou emprego na cidade, analfabeta até a alma, mal conseguia conversar direito, mendigou durante a semana e furtou um pão-e-leite para o miúdo. Começou a encarar seu destino e via seu ex-marido em qualquer rosto masculino, aos poucos cedia à tentação, então mesmo suja e fedida, começou a se prostituir.
Tentou negociar o miúdo, mas o sujeito queria apenas uma noite de luxúria, o fez e deixou uns trocados em troca.
Malvinda gostou do dinheiro e da lembrança de seu marido, percebeu que seu filho não seria doado facilmente, então começou a aceitá-lo.
Seus clientes eram muitos, logo conseguiu um muquifo na viela do centro, com banheiro e quarto, o miúdo arregalava os olhos, observando os homens sedentos por sexo, tanto que mal notavam sua presença no canto.
Meses assim foram, o miúdo ensaiava alguns passos, ocupada com os homens e os novos vícios, Malvinda não se importava com o menino que nem nome tinha, era cuidado pelos homens, educado pelas putas que apenas advertiam seus erros.
De tanto beber, Malvinda perdia seus clientes, bêbada, seu sexo e seu hálito eram horríveis, afastando o dinheiro-fácil.
O aluguel vencera, o menino já não via nenhum tipo de leite, com fome e sede, desprezado por sua mãe, sem o cuidado dos homens e a educação das putas; bebeu bebida alcóolica numa noite e dormiu. Nessa mesma noite apareceu um cliente, triste e abatido o homem abraçou Malvinda, deu-lhe sexo e amor e saíram para sempre deixando o menino ainda dormindo.
Quando acordou já não tinha mãe e continuava sem leite, nem notou. Levantou-se, já sabia andar, saiu na rua e recolhido por uma puta, morou com ela um mês.
As putas amaldiçoavam a mãe do miúdo que desumana deixou o menino como um trapo sujo, indagavam sobre o homem que roubou o amor da mulher em poucos minutos. Acreditavam que ela já o conhecia e cogitavam a possibilidade de ser o pai do miúdo.
Uma dona de bordel cuidou do menino durante um ano, não pegou amor então o ofereceu à uma lavadeira, que o tratou com carinho por uma semana, mas não tinha recursos para alimentá-lo, o entregou para a prefeitura que o levou para o orfanato onde foi doado, o doador morreu e o tutor voltou a ser o Estado, sem nome e registro, não sabiam quem eram os pais e o enviaram para nova doação, onde ficou por quatro anos, comendo bem numa casa de ricos. Os Pais adotivos faliram e perderam a sanidade, deixaram o miúdo na rua, onde novamente fora recolhido por uma puta:
- Te conheço não é de hoje menino. – disse a mulher ao miúdo que arregalou os olhinhos e demonstrou medo.
- Vou te dar leite e arrumar um canto p’ra tu. – então apanhou o menino e o levou para seu barraco numa favela.
A mulher o levava para o trabalho à noite e ao dia o miúdo perambulava pelas ruas ao lado de homens e cães vadios.
Via a cara dos homens jogadores de bola no campo da favela, estranhava os gritos e palavrões. Aprendendo a falar os imitava sempre com olhar arregalado e era motivo de chacota dos marmanjos e moleques que o zombavam e lhe distribuíam cascudos. Tentava brincar com a bola, mas sempre o espancavam aos nomes de fi-de-puta e fi-dum-corno , palavras que o menino mal entendia.
Sua mãe adotiva quando chegava no barraco lhe dava o que comer, certa vez arriscou a dizer algumas palavras para a mulher:
- Brigado mãe.
A puta desorientou-se, chorou, arrepiou-se se irritou, acabou esbofeteando a boca do menino que viu derramar o sangue do seu nariz.
- Puta nunca é mãe seu moleque, nunca é mãe.
O menino tinha apenas cinco anos mas sabia quando era querido, então sentindo-se infeliz foi embora apenas com os trapos em seu pequeno corpo-miúdo.

Nenhum comentário: