domingo, 13 de julho de 2008

GUMERCINDO: MANDINGA, PÉ-DE-PATO E QUIPROQUÓS- ROMANCE DE RICARDO CUNHA -CAPÍTULO I


Apuiares amanheceu pacata como sempre naquele dia, o sol carrasco não deu trégua nas últimas semanas e o povo da pequena cidade do Ceará, esqueceu da seca e da fome apenas para visitar Malvinda, moça nova que pariu naquele dia três filhos.
O povo acostumado com a grande quantidade de crianças pouco se importavam quando algum nascia ou morria, mas o parto de Malvinda era inédito para os miseráveis.
Malvinda era casada com Joaquim há algum tempo, os dois cuida- vam de cabras e buscavam água para os bichos numa longa distância.
Mesmo grávida ostentando uma enorme barriga no corpo esquelético
Malvinda fazia o serviço todo dia, maltratada pelo sol e pela escassez.
Joaquim esperava por um filho, com o tamanho da barriga pensou ser dois, o terceiro foi um susto que ele não conseguia entender.
Escute dona Etelvina, que diabo de gravidez é essa? Com três minino? – perguntou à parteira da vila , que já fizera diversos partos na vida, inclusive o de Joaquim e Malvinda. A mulher arregalou os olhos com cara de ruim e respondeu:
Olhe eu já vi muito parto, muita mulhé prenha, mas isso aqui é esquisito.
Cuma?
Esse gêmeo gordo nasceu do lado direito, o outro fortim do lado esquerdo e esse miúdo feím brotou pertinho dos dois, como se tivesse sido colocado ali.
O homem coçou a barba rala e pediu maiores explicações:
Senhora tá achando estranho como esse minino nasceu?
Eu nunca vi, já ouvi falar sobre um caso assim; o do gêmeo-uno.
O quê?
É o gêmeo que nasce no meio dos dois outros gêmeos, apertadinho, quase roubando o espaço dosoutro.
A multidão já se encontrava ali no casebre de Joaquim, para ver os três bebês, observavam com carinho os dois belos meninos, graúdos, fortes, mas disfarçavam o olhar de repúdio para o gêmeo do meio; feio, miúdo e magrinho-desnutrido.
O homem ainda encucado, observava os meninos e não sentia carinho algum pelo miúdo, sentia indiferença, desconfiança, sentiu que aquele filho podia não ser seu, havia muitos homens na cidade pequena e como todos se conheciam podiam saber a respeito de uma traição por parte de sua mulher e esconder o fato.
Dona Etelvina, senhora acha que isso... Esse minino pode ter sido feito depois que a mulher embuchou ? – Sussurrou ao ouvido da parteira, que ignorante e maliciosa não se preocupou em encucar ainda mais o homem.
Pode ser... eu não conheço outro caso assim, mas ouvi dizer que se um homem come a mulher depois de prenha pode nascer outro em cima.
Mas eu num tive trepando com Malvina prenha não.
Ora meu filho... não esquenta a cabeça, o filho é teu, pai é quem cuida e cuide para que ele tome muito leite, pois tá muito magrim esse menino.
Dona Etelvina... – sussurrou Joaquim.
A senhora não tá sabendo de nada não?
Sobre o quê ?
Sobre Malvina.
Sei de nada não. – desconversou a velha e foi-se embora deixando recomendações.
Naquela noite Joaquim não dormiu, os bebês não paravam de chorar ,irritando o pobre homem. O mais fraquinho era o que menos incomodava, não tinha forças para o choro, ficava quietinho com os olhinhos arregalados, olhando para o teto do casebre.
A mãe descansava em silêncio ao perceber a inquietação do marido se incomodou e rude o indagou:
Que é homem? Não tá feliz com os menino?
Esses muleque não pára de chorá, não me deixa dormir.
Procure pegá no colo que eles se acalma.
Joaquim seguiu o conselho da mulher, apanhou um no colo e largou apenas quando o bebê dormiu, fez o mesmo com o outro, e por último apanhou o miúdo, segurou nos braços, era leve como pena. O menino ainda atento, olhou direto nos olhos do pai.
Moleque atrevido, desse tamanho e já desafiando, tu não parece comigo, sei disso, é fraquim e feim, o que faço contigo hein?
Que foi home? – interrompeu Malvina.
Nada não, vá dormir. – Joaquim fitou novamente o bebê miúdo o colocou na cama e deitou-se, amanhã precisava ir cedo trabalhar.
Na manhã antes do canto do galo e do sol esquentar a terra, Joaquim levantou-se ainda encucado com o nascimento daquele menino miúdo.
Olhou para Malvina e sentiu ódio, repúdio, como uma vítima de traição, era um homem prático, acostumado a sobreviver em situações difíceis, então não demorou a decidir o que fazer, com a mão esquerda calejada pelo labor, puxou os cabelos da mulher que acordara com o susto. Então ainda pelos cabelos a derrubou da cama e ordenou:
Pegue seus filhote e suma daqui.
MA-mas o que tá acontecendo aqui home?
Não interessa, tu sabe o que fez.
O que tu tá fazendo, tá doido é?
Sua puta dos inferno, pensa que não sei que esse filho não é meu?
Co-como é que é? Tu tá doido home ? Onde tu tirou essas idéia ?
Eu não sou bobo sua biscate enquanto eu trabalhava, você aí de desfrute...
Imagina Joaquim, eu sempre fui fiel a tu, trabalhava contigo lembra? Esses filho são seus, todos até o magrim... Eu nunca dei para outro home não...
Eu não acredito, Esse moleque não parece comigo, nunca vi brotá um menino no meio dos outro, isso é resultado de trepada depois de prenha.
Tu tá falando besteira.
Ruma embora, só com a roupa dos corpo e os fio.
Tu não pode fazê isso, eu imploro home sem tu eu não sou nada.
Ruma...
Não Por favô.
Pegue seus fio e desapareça da minha frente.
Os fio são teu...
Não são, os dois pode ser, o miúdo feim não.
Mas tu não é bonito home.
Então foi dá p’ra um bonito né sua puta desgraçada.
Não fui não, tu é meu único macho...Se tu não gostou do menino eu dou ele p’ra alguém.
Quem vai querer essa coisa.
Então nóis joga no mato, longe daqui...
É capaz de voltá.
Então a gente mata ele e dá de comê aos menino.
Joaquim parou p’ra pensar no que a mulher disse, pois parte de seu desprezo pelos filhos era a responsabilidade de Ter mais três bocas para alimentar e no fundo sentia algo pela mulher.
Nunca ouvi falar de gente comê gente.
Come sim, no lixão tem quem come resto de gente, que vem do hospital.
E num faz mal não?
Não.
Malvina eu só quero uma coisa e não vou falá outra vez, pegue seus menino e suma daqui.
Mas como eu vou fazer, p’ra onde eu vou.
Se lasque p’ra lá, mate o miúdo como tu disse e dê p’ros outro comê, ruma embora.
Malvinda ficou desolada no chão do casebre ajoelhada, humilhada e revoltada levantou-se, apanhou os moleques no colo, pegou com ódio o mais miúdo, causa de sua desgraça, o encaixou próximo ao peito este se pôs a mamar, ela o afastou e saiu apenas com os trapos no corpo.

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